Guia da Semana

Los Angeles


Não há duvidas de que a história da Walt Disney Animation ficará dividida entre Antes de John Lasseter e Depois de John Lasseter. Apaixonado por animação e devoto extremo de Walt Disney, Lasseter assumiu o controle criativo do estúdio há alguns anos e apresenta seu primeiro grande projeto com Bolt, empolgante animação que chega aos cinemas em 1º de janeiro. Deixando de lado seu currículo grandioso que inclui o genial Wall-E (fruto de parceria entre Disney e Pixar), Lasseter se mostra um diretor competente, algo sentido nos corredores do estúdio, com um clima invejado por seus competidores e um modo de pensar único dentro dessa indústria movida pelos executivos e suas metas de público. Não é exagero dizer que John Lasseter salvou a Disney e marcou o início de uma nova era. Sorte dos espectadores que, nos próximos anos, vão conhecer A Princesa e o Sapo e uma nova versão de Rapunzel. Confira a entrevista!

A Walt Disney Animation é claramente uma empresa revitalizada depois de sua chegada. Funcionários felizes e orgulhosos de dizer que nunca tiveram um chefe como você e uma clara melhoria na qualidade do trabalho são algumas provas disso. Como você operou essa mudança?

John Lasseter :
Faço o que faço por causa dos filmes de Walt Disney. Sempre quis trabalhar para a companhia, recebi uma bolsa de estudos da Disney Foundation e trabalhei na Disneylândia durante a faculdade. Vivenciei os primórdios da animação computadorizada e sempre tive em mente, especialmente quando trabalhei aqui pela primeira vez, que essa tecnologia teria sido utilizada maravilhosamente por Walt Disney. Retornar dá aquela sensação de ter completado um grande ciclo. Fiquei muito nervoso, para ser sincero, mas confiei nos meus instintos. Como não sofremos como toda aquela politicagem dos estúdios, tudo fica muito simples. Somos honestos com as pessoas e dizemos tudo que precisa ser dito, assim como permitimos todo tipo de feedback. Muita gente não participava do processo criativo, mas trabalhava muito duro na execução das decisões. Essa dinâmica transforma algo que deveria ser magnífico em apenas um trabalho. Portanto, se fosse possível converter um lugar de trabalho duro em um lugar que faz bons filmes, com moral alta e sentimento de união, as melhorias surgem naturalmente. Tudo que mudamos aqui teve o objetivo de refletir diretamente no público, que não faz idéia do que essas pessoas se dedicam ao longo de quatro ou cinco anos para criar um filme. Hoje, temos uma situação interessante entre as equipes. Tão logo um projeto termine, todo mundo continua tão realizado e feliz que a resposta é sempre a mesma: ´ok, qual o próximo? Posso começar amanhã!´ Estamos criando uma geração de profissionais orgulhosos por seu trabalho, gente que, daqui 50 anos, contará para os netos e bisnetos "eu trabalhei em Bolt, eu ajudei a fazer Procurando Nemo". Certa vez, Steve Jobs me disse que a vida dele limita-se a criar computadores e tecnologia, coisas cujo ciclo de vida não passa de cinco anos. Se fizermos tudo direitinho, nossos filmes podem durar para sempre e por isso precisa haver mais que um simples trabalho em jogo para honrarmos Disney e, claro, colocar a casa em ordem.

Você mencionou que a Pixar é uma companhia movida por cineastas, não por executivos. Como é possível balancear o comercial com o criativo?

John Lasseter :
Acho que há cineastas em ambos os estúdios [Pixar e Disney], mas no caso da Pixar, o que eles adoram artisticamente acaba tendo muito apelo comercial. Muita gente pensa que se deixarmos um diretor fazer o filme que ele quiser, sem interrupções, ninguém gostaria além do próprio sujeito, certo? Bem, isso não é verdade. Os profissionais que escolheram essa carreira, a mesma que a minha, sabiam o que queriam fazer e isso diz muito sobre quem somos. Sou apaixonado pelos filmes de Walt Disney e também do Chuck Jones, da Warner Bros. Então, é esse tipo de trabalho que faço e se me deixarem quieto no meu canto, é esse tipo de filme que vou entregar. Acredito muito na idéia de que você não precisa baixar o nível artístico ou intelectual para criar um filme capaz de agradar uma família inteira. A Disney é movida por grandes histórias e o modo como contamos deve ser universal, mas nunca bobo. Num estúdio guiado por cineastas, só preciso acompanhar o pensamento do pessoal dentro da direção proposta e o resto acontece. Veja os diretores de Bolt, por exemplo, eles sabem o que estão fazendo sem que eu precise ficar palpitando toda hora. E garanto que eles sabem como fazer um filme capaz de empolgar a platéia muito melhor do que qualquer executivo de Hollywood.

Como a sua família participa de seus filmes?

John Lasseter :
Muito mais do que todo mundo pensa! Tudo o que acontece com a gente é inspirador e gosto de colocar isso nos filmes. Por exemplo, sempre levo uma versão incompleta do filme para meus filhos e minha esposa assistirem. A reação deles me diz se ficou bom ou não. Afinal, quando todo mundo está rindo e decora as falas dos personagens é um ótimo sinal. Agora, quando tudo fica quieto e meus filhos começam a conversar sobre outra coisa há algo errado ali! Outra coisa que faço é usar idéias da minha infância nos filmes. Em Toy Story, Buzz Lightyear ficou escondido dentro do guarda-roupa do Andy, certo? Então, meus pais faziam isso comigo! O melhor presente de Natal sempre ficava no guarda-roupa! Acho que o Papai Noel escondia lá! (risos)

Qual a fórmula secreta para um filme legal como Bolt?

John Lasseter :
Três coisas precisam estar num bom filme, especialmente quando se trata de uma animação, seja ela computadorizada ou manual. Primeiro: a história tem que ser emocionante para todo mundo querer saber como termina. Segundo: todo mundo tem que adorar os personagens e ficar preocupado, ou empolgado, com eles. Terceiro: O mundo onde tudo isso acontece precisa fazer sentido. Não é para ser uma imitação da nossa vida, mas algo que faça a gente acreditar. Procurando Nemo e Carros fizeram isso muito bem, misturando tudo isso. Não é apenas um filme sobre peixes ou carros, mas a combinação dessas idéias. São histórias passadas nesses mundos, portanto, se ninguém acreditar no contexto, a história se perde.

Por que ninguém consegue fazer um ser humano perfeito na animação?

John Lasseter :
Porque é quase impossível. Tanto a Disney quando a Pixar (que fez Wall-E) pensam do mesmo jeito: não queremos fazer isso. Para ver pessoas na tela, vemos um filme com atores certo? O ser humano é muito complexo e todo mundo já se olhou no espelho uma vez na vida. Então, quando você vê alguém tentando imitar a gente no computador, vai ficar diferente e muito estranho. Fica uma sensação esquisita, não é? Por isso, sempre criamos pessoas que façam sentido naquele mundo e pronto.

Bolt é seu personagem preferido ou tem mais alguém nesse filme?

John Lasseter :
Gosto de personagens marcantes. Por mais que Bolt seja um sujeito bonzinho e Mittens acabe ajudando seu "inimigo" a aprender como ser um cachorro de verdade, Rhino roubou o show com aquele jeito fanático, exagerado e super-protetor. Quem não gostaria de ter um hamster como ele nos protegendo de todos os males desse mundo? (risos) Rhino é um sujeitinho muito especial e cativante.

Aliás, qual a diferença entre Walt Disney Animation e Pixar?

John Lasseter :
A única diferença é que a Pixar só faz filmes no computador como Wall-E e Toy Story. Já a Disney faz animações no computador e também com desenhos feitos à mão, afinal, tudo que Walt Disney deu ao mundo foi desenhado por alguém. Precisamos manter essa tradição e nunca deixar que as pessoas se esqueçam da importância do talento individual dos profissionais. Sou muito feliz por ter uma história com essas duas companhias.

Leia as matérias anteriores do nosso correspondente:

  • Brendan Fraser: O nome da aventura

  • Dustin Hoffman: ficção e realidade

  • Reese Witherpsoon: atriz e mãe


    Quem é o colunista: Fábio M. Barreto adora escrever, não dispensa uma noitada na frente do vídeo game e é apaixonado pela filha, Ariel. Entre suas esquisitices prediletas está o fanatismo por Guerra nas Estrelas e uma medalha de ouro como Campeão Paulista Universitário de Arco e Flecha.

    O que faz: Jornalista profissional há 12 anos, correspondente internacional em Los Angeles, crítico de cinema e vivendo o grande sonho de cobrir o mundo do entretenimento em Hollywood.

    Pecado gastronômico: Morango com Creme de Leite! Diretamente do Olimpo!

    Melhor lugar do Brasil: There´s no place like home. Onde quer que seja, nosso lar é sempre o melhor lugar.


  • Atualizado em 6 Set 2011.