Guia da Semana

No último domingo, dia 7, dezenas de artistas do cinema e da TV marcharam para dentro do hotel Beverly Hilton, na Califórnia, vestidos de preto para acompanharem a premiação da 75ª edição do Globo de Ouro. A cor simbolizava o apoio ao movimento “Time’s Up” – um fundo criado por um grupo de atrizes de Hollywood para financiar a defesa jurídica de vítimas de abuso e assédio sexual, em consequência dos eventos que agitaram a indústria nos últimos meses.

Um dos momentos altos da noite foi a celebração da carreira da apresentadora, atriz e empresária Oprah Winfrey, a primeira mulher negra a receber a honraria do prêmio Cecil B. DeMille desde a criação do evento. Consciente de seu papel e sua influência, Winfrey subiu ao palco e declamou um dos discursos mais emocionantes e poderosos de todos os tempos em premiações de cinema. Confira, na íntegra, suas palavras:

"Em 1964 eu era uma menininha sentada no piso de linóleo na casa da minha mãe em Milwaukee, assistindo à Anne Bancroft apresentar o Oscar de Melhor Ator na 36ª edição do prêmio. Ela abriu o envelope e disse cinco palavras que literalmente fizeram História: “o vencedor é Sidney Poitier”.

Subiu ao palco o homem mais elegante que eu já tinha visto. Eu me lembro que sua gravata era branca e, é claro, sua pele era negra, e eu nunca tinha visto um homem negro ser celebrado daquela forma. E eu tenho tentado muitas e muitas vezes explicar o que um momento como aquele significa para uma garotinha, uma criança assistindo dos assentos baratos, enquanto minha mãe entrava pela porta, cansada até os ossos de limpar as casas de outras pessoas. Mas tudo o que eu posso fazer é citar e dizer que a explicação está na performance de Sidney em “Uma Voz Nas Sombras”, “Amém, Amém... Amém, Amém”.

Em 1982, Sidney recebeu o prêmio Cecil B. DeMille aqui mesmo no Globo de Ouro. E eu tenho consciência de que, neste momento, há algumas meninas assistindo enquanto eu me torno a primeira mulher negra a receber o mesmo prêmio. É uma honra e um privilégio compartilhar esta noite com todas elas, e também com os homens e mulheres incríveis que me inspiraram e desafiaram, que me sustentam e que fizeram minha jornada até este palco possível. Dennis Swanson, que apostou em mim para “AM Chicago”, Quincy Jones que me viu naquele show e disse para Steven Spielberg, “Sim, ela é Sophia de ‘A Cor Púrpura’”, Gayle que é a definição do que é um amigo e Stedman, que é minha rocha. Para citar apenas alguns nomes.

Quero agradecer à Associação de Imprensa Estrangeira em Hollywood... Vocês todos sabem que a imprensa está cercada hoje em dia. Vocês também sabem que é a dedicação insaciável para descobrir a verdade absoluta que nos impede de fechar os olhos ao corporativismo e à injustiça. Aos tiranos e vítimas e segredos e mentiras. Quero dizer que valorizo a imprensa mais do que nunca, enquanto tentamos navegar através destes tempos complicados. O que me traz a isto...

O que eu sei com certeza é que dizer a sua verdade é a ferramenta mais poderosa que todos nós temos. Eu tenho especial orgulho e inspiração por todas as mulheres que se sentiram fortes o suficiente, empoderadas o suficiente para erguer a voz e compartilhar suas histórias pessoais. Cada um de nós nesta sala somos celebrados por causa das histórias que contamos. E, este ano, nós nos tornamos as histórias. Mas não é apenas a história que afeta a indústria do entretenimento. É uma que transcende cultura, geografia, raça, religião, política ou ambiente de trabalho.

Então eu quero, esta noite, expressar minha gratidão a todas as mulheres que suportaram anos de abuso e assédio por que elas, como minha mãe, tinham filhos para alimentar e contas para pagar e sonhos para perseguir. Elas são as mulheres cujos nomes nós nunca saberemos. São trabalhadoras domésticas e rurais. Elas trabalham em fábricas e em restaurantes e na academia, e em engenharia e medicina e ciência. Elas são parte do mundo da tecnologia e da política e dos negócios. São atletas nas Olimpíadas e soldados no exército.

E há mais alguém... Recy Taylor. Um nome que eu acho que vocês também deveriam conhecer.

Em 1944, Recy Taylor era uma jovem esposa e mãe. Ela estava andando da igreja para casa quando foi sequestrada por seis homens brancos armados, estuprada e deixada no canto da estrada. Eles ameaçaram matá-la se ela algum dia contasse para alguém. Mas a história dela foi reportada à NAACP, onde uma jovem mulher chamada Rosa Parks assumiu a investigação do seu caso. E, juntas, elas buscaram justiça. Mas justiça não era justiça na era de Jim Crow, e os homens que tentaram destruí-la nunca foram processados. Recy Taylor morreu dez dias atrás, às vésperas do seu 98º aniversário. Ela viveu, como nós temos vivido, anos demais numa cultura ferida pela brutalidade de homens poderosos. Por tempo demais as mulheres não têm sido ouvidas, ou acreditadas se elas ousassem falar sua verdade diante do poder daqueles homens.

Mas o tempo deles acabou... O tempo deles acabou.

Apenas espero que Recy Taylor tenha morrido sabendo que a sua verdade, como a verdade de tantas outras mulheres que foram atormentadas naqueles anos, e mesmo agora ainda são, segue marchando em frente. Ela estava em algum lugar no coração de Rosa Parks, quase onze anos depois, quando ela decidiu se sentar naquele ônibus em Montgomery. E está aqui, em cada mulher que escolhe falar “eu também” e em cada homem que escolhe ouvir.

Na minha carreira, eu sempre tentei fazer o meu melhor para, fosse na televisão ou no cinema, dizer algo sobre como homens e mulheres realmente se comportam. Para falar sobre como experimentamos vergonha, como amamos, como nos enraivescemos, falhamos, nos retraímos, perseveramos, e como superamos. Eu entrevistei e retratei pessoas que suportaram algumas das coisas mais feias que a vida pode jogar sobre você, mas uma qualidade que todos eles parecem ter em comum é a habilidade de manter a esperança por uma manhã mais ensolarada. Mesmo durante nossas noites mais escuras.

Então, quero que todas as meninas que estão assistindo aqui e agora saibam que um novo dia está no horizonte!

E quando esse dia finalmente chegar, será graças a muitas mulheres magníficas, muitas das quais estão aqui neste salão agora, e a alguns homens fenomenais que estão lutando para garantir que elas se tornem as líderes que nos levarão ao tempo em que ninguém, nunca mais, precisará dizer “eu também” de novo."

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Por Juliana Varella

Atualizado em 8 Jan 2018.