Um dos últimos filmes a estrear em fevereiro, O Segredo de Seus Olhos, de Juan José Campanella e um dos indicados ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro. Estrelado por Ricardo Darín, o filme conta a história de um ex-funcionário da justiça, aposentado, que pretende escrever um romance para ocupar seu tempo livre. Em busca de inspiração, passa a desenterrar da memória um antigo caso de assassinato de cuja investigação participou e que nunca conseguiu esquecer. Um caso que deixou profundas marcas em seu passado.
O Segredo de Seus Olhos é antes de tudo um filme policial. Os elementos estão todos lá. Um crime mal resolvido do passado, a reabertura da investigação, as reviravoltas na trama. Para quem gosta do gênero é um prato cheio. Mas o filme tem a virtude de não se prender exclusivamente aos elementos do gênero e abrir possibilidades dentro da trama para o romance e mesmo a comédia. Não perde, porém, seu foco policialesco e leva o espectador até um final surpreendente e marcante. Se não tanto pela revelação final em si, certamente pelo que nela contém de humano e cruel ao mesmo tempo.
Um filme sobre obsessões. Obsessões que de muitas maneiras - desde as mais inocentes às mais doentias - servem, em última análise, para preencher vidas que se descobrem "cheias de nada". É o tamanho do vazio que determina o tamanho da obsessão. E é assim que Benjamin Espólito se envolve numa trama que o perseguirá por 25 anos, compreendendo que no ser humano tudo é passível de mudança - aparência, endereço, trabalho e até comportamento social. Mas uma coisa nunca muda nas pessoas: suas paixões, suas obsessões.
Juan José Campanella é imensamente competente na construção de sua trama, no modo como faz a crescer a tensão gradualmente na primeira metade da película. Mesmo recheando o filme com cenas verdadeiramente engraçadas, não perde as rédeas da narrativa e mantém o suspense em permanente crescimento, culminando em cenas com alta voltagem de tensão, graças ao ótimo jogo de cena dos personagens e das excelentes interpretações dos atores.
Um destaque a ser notado no filme é a relação dos olhos e dos olhares, que dão sentido a seu título. Tudo no filme passa pelos olhos dos personagens, pela maneira como eles revelam ou escondem sentimentos, crimes, pecados, culpas e obsessões. E a maneira como Campanella trabalha isso, de forma sutil, sem exageros e obviedades, num jogo de cena discreto, é outro grande mérito do filme.
Contudo, O Segredo de Seus Olhos não é um filme sem defeitos. Embora seja construído numa escala de suspense que levará até a revelação final, em alguns momentos perde consistência, especialmente quando faz muitas concessões ao romanesco. Não que a atração subentendida entre dois personagens seja ruim para a trama, pelo contrario, lhe dá um tempero muito bom e rende ótimas cenas. O problema é que as vezes, por conta de uma certa repetição, esse tempero acaba soando artificial.
Campanella, entretanto, não é bobo. Embora não enxugue o filme desses defeitos, não perde a chance de transformá-los em piada. Para isso constrói toda uma cena de puro clichê, daqueles bem açucarados e obviamente improvável. Tudo isso para logo na cena seguinte desconstrir sem piedade esse mesmo clichês, numa auto-ironia mordaz e refinada. São detalhes como esses que minimizam as falhas do filme e faz de O Segredo de Seus Olhos o melhor trabalho do diretor até então.
E como um bom filme policial, que não perde de vista sua natureza de gênero, algumas reviravoltas acontecerão na trama até o desfecho final. Todas muito bem colocadas, sem excessos, sem artifícios banais. E tudo a serviço de um desfecho atordoante, agudo, doído, como um dedo no centro de uma ferida aberta por 25 anos. Um desfecho que encerra não no ato, mas no teor dentro dele a máxima de uma obsessão. Uma espécie de "justiça" que se escreve e se executa de próprio punho, à margem da lei, na retidão de uma sentença perpétua e no quanto pode haver de torto e de doentio na sua execução. Tudo isso faz de O Segredo de Seus Olhos um grande filme.
Vale destacar ainda as excelente atuações de Ricardo Darín, Guillermo Francella e Soledad Villamil. Uma combinação de talentos que emprestam a seus respectivos personagens uma veracidade e uma tenuidade expressa pelos olhos como poucas vezes vi no cinema.
Leia as colunas anteriores de Rogério de Moraes:
Um musical para sempre
Encher os olhos
Eu sempre lembro
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Atualizado em 6 Set 2011.