
Malu conhece Luiz Mário na orla do Rio de Janeiro, quando o atropela com a bicicleta
Engana-se quem acha que uma história como a de Capitu e Bentinho, do romance Dom Casmurro, de Machado de Assis, é coisa do passado. O novo filme do cineasta Flávio Ramos Tambellini (Tim Maia, Bufo & Spallanzani, O Passageiro - segredo de adultos), Malu de Bicicleta, retrata uma história de amor envolvente entre uma carioca, Malu ( Fernanda de Freitas), e um paulista, Luiz Mário (Marcelo Serrado), permeada pela desconfiança do desconhecido e do ciúme. O elo entre os dois é a ponte aérea Rio - São Paulo, que inspira uma das grandes questões do filme: como confiar plenamente em alguém que possui uma vida longe da sua?
É no meio dessas dúvidas e conclusões que o Malu de Bicicleta já se consolidou com uma das grandes comédias românticas brasileiras e conquistou prêmios de melhor diretor, melhor ator e melhor atriz no Festival de Paulínea, em 2010, tendo também destaque no Festival do Rio e no Festival de Cuba. O filme, que já está em cartaz no circuito nacional, é baseado no livro homônimo de Marcelo Rubens Paiva, que também assina o roteiro da versão cinematográfica. No comando da trilha sonora está o músico Dado Villa-Lobos, que já fez parceria com Flávio Tambellini em o Bufo & Spallanzani (2000).
As músicas do Malu de Bicicleta realmente dão o tom ao enredo e o destaque fica para a canção original de Fausto Fawcett, Fugitivo Coração, feita em cima da história do filme. O elenco ainda conta com a participação de Marjorie Estiano, Dani Suzuki, Otávio Martins, Daniela Galli, Maria Manoela, Thelmo Fernandes e Marcos Cesana. Em entrevista ao Guia da Semana, o diretor Flávio Tambellini conta detalhes da produção, fala do processo de adaptação do livro para as telas e comenta os contrastes entre as duas cidades que permeiam o romance. Confira!
Guia da Semana: Como aconteceu a adaptação do livro Malu de Bicicleta, do escritor Marcelo Rubens Paiva, para o cinema?
Flávio Tambellini: Quando recebi o projeto já havia um roteiro inicial escrito pelo Bruno Mazeo e o João Avelino. Eu li, gostei, mas queria mostrar mais a minha visão da trama. Acredito que, em adaptação cinematográfica de livro, é preciso colocar-se dentro dele. Assim, convidei o Marcelo Paiva para escrever a história, agora, para o cinema. Sei que isso é complicado para um autor, pois ele costuma ficar preso ao seu texto inicial. No entanto, Marcelo trouxe tudo o que esperávamos para o roteiro, a essência do livro de volta, mas já com outra visão.
Foto: Divulgação/David Peixoto

A Pedra da Gávea, no Rio de Janeiro, é uma das locações do filme que evidencia a parte carioca da história
Guia da Semana: Quais foram os principais obstáculos para transpor a história das páginas do livro para a telona?
Flávio Tambellini: Trabalhei bastante no projeto, pois percebi de cara que precisaria escolher um pedaço da obra para fazer o filme. Foi determinado que o enredo se passaria no tempo atual, elucidando a história de amor entre os protagonistas Luiz Mário (Marcelo Serrado) e Malu (Fernanda de Freitas). A história literária abordava ainda a parte da infância do personagem principal, além de muitos flashbacks que tivemos que cortar.
Guia da Semana: Há quanto você vem trabalhando nesse projeto?
Flávio Tambellini: Já conhecia o livro, mas a proposta de virar um longa chegou até mim pelo ator Marcelo Serrado, que já conheço há algum tempo. Reli o livro do Rubens Paiva e comecei a trabalhar nele. Estou envolvido há cerca de três anos, mas a partir do momento que começamos a gravar foi tudo muito rápido. Foram apenas quatro semanas de filmagem. O roteiro passou por mais de dez tratamentos, e foram essas idas e vindas que acabou levando esse tempo todo. Acho que roteiro é trabalho em cima de trabalho, até se chegar no resultado esperado.
Guia da Semana: Você já dirigiu outros dois filmes adaptados de livros, como Bufo & Spallanzani (2000), de Rubem Fonseca, e depois, O Passageiro (2006), de Cesário Melo Franco. Isso traduz certa tendência para esse molde de longas-metragens?
Flávio Tambellini: Foi uma coincidência, mas considero que um livro traz boa estrutura dramática e de personagem que favorece o trabalho. Quando a obra possui uma visão cinematográfica, como as do Marcelo Rubens Paiva, é gostoso porque já recebemos um esqueleto pronto. Ao mesmo tempo é preciso quebrar isso, pois é uma outra linguagem. Tem um lado bacana, mas também há um desafio forte. Adaptar um filme significa abrir mão de algumas coisas, uma vez que é necessário descobrir os fatos que me interessam para conseguir o resultado que espero, caso contrário, origina-se um filme literário.
Guia da Semana: Há algum diretor de cinema que seja referência para você no quesito adaptação de livros ou algum filme que se destaca nesse molde?
Flávio Tambellini: Sem dúvida, Coppola com os filmes Apocalypse Now e O Poderoso Chefão. Foram duas adaptações de livros muito boas.
Guia da Semana: Malu de Bicicleta foi seu primeiro filme que contava com a distribuição garantida antes da finalização. Como aconteceu esse processo?
Flávio Tambellini: Apesar de ser um filme com orçamento baixo, desde o começo trabalhei com a Downtown - que é uma distribuidora renomada - e, dessa vez, não tive que passar por aquela via crúcis de ficar correndo atrás de distribuição. A Rio Filmes aderiu ao projeto no meio de sua produção e, em seguida, foi a vez a Globo Filmes apoiá-lo. O legal do 'Malu' é que ele foi acontecendo sozinho e, aos poucos, ganhando espaço, sem perder sua característica independente. Ele não é um filme de 'mercadão', não é um desses blockbuster brasileiros, pois busca a comunicação. Eu fiz o longa o tempo inteiro pensando no diálogo com o público, mas direcionando um público inteligente, já que fiz questão de não dar tudo pronto.

Em uma típica cena paulistana, o casal, acompanhado por uma amiga de Malu, vai ao cinema
Guia da Semana: O filme aborda a questão do relacionamento amoroso, atrelado ao ciúme, a partir de ângulos diferentes: o carioca, que é mais leve, solto e vivaz, e o paulista, que é mais tenso, mais neurótico e até paranóico. Como foi a construção desses dois tipos de personagens?
Flávio Tambellini: O livro carrega ainda mais nessa dicotomia Rio - São Paulo, mas eu preferi apenas mostrar que a menina do Rio, a Malu, é mais solar, possui a cultura de praia e natureza. Já o paulista Luiz Mário é mais noturno e costuma ficar em ambientes fechados. Procurei transpor o estilo deles para a fotografia do filme. Mas há um fato curioso sobre a trama, pois Marcelo Paiva assume que se inspirou no personagem de Capitu, da obra Dom Casmurro, de Machado de Assis, para compor a Malu do livro.
Guia da Semana: Você tem alguma preferência em trabalhar apenas com atores que já tiveram uma vivência no teatro?
Flávio Tambellini: Para mim os grandes atores vêm do teatro. O Marcelo Serrado é ator majoritariamente de televisão, mas já esteve nos palcos. A Fernanda de Freitas fez a peça Ensina-me a viver, do João Falcão, e foi até premiada. A Marjorie Estiano também costuma fazer teatro. Enfim, acredito que cada pequeno personagem tem que ser um ator bom e é isso que da credibilidade a um filme.
Guia da Semana: A trilha sonora do longa é de autoria do Dado Villa- Lobos. Você teve alguma influência na escolha do repertório?
Flávio Tambellini: Tive interferência total, mas com liberdade de criação para ele. Não disse quais instrumentos ele iria usar, mas precisava falar o clímax de cada cena, para o Dado poder pontuar em cima. Houve sempre uma liberdade dentro do diálogo que a gente desenhou.
Guia da Semana: As imagens do filme caracterizam bem o Rio de Janeiro e São Paulo. Qual foi o critério de escolha dos sets?
Flávio Tambellini: Mesmo sendo um filme basicamente de interiores, eu precisava mostrar os pontos que marcam cada uma dessas cidades. Por isso, optei por passar imagens da Avenida Paulista e do Monumento dos Bandeirantes, quando fala de São Paulo, e as praias, se estiver mostrando o Rio. Na hora que o filme for respirar no exterior, precisava de lugares que as pessoas reconhecessem se tratar da capital carioca ou paulista.
Guia da Semana: Após a divulgação de Malu de Bicicleta e as premiações que o filme já vem colhendo, há novos projetos em vista?
Flávio Tambellini: Já estou na elaboração de um novo filme, escrito por mim e pelo artista plástico Raul Mourão. Vai se chamar Roubo da Chácara do Céu e vai falar de furto de artes. O enredo é baseado no assalto que teve, em 2006, no Museu Chácara do Céu, no bairro de Santa Tereza, no Rio de Janeiro. Estamos em fase de captação de recursos ainda.