De Los Angeles
Mais de 70 filmes integram a filmografia de Nick Nolte, que já passou de herói a vilão incontáveis vezes, surpreendeu o mundo quando foi preso, mas continua atuando mesmo visivelmente debilitado pelos exageros e pela idade. Com certa dificuldade para falar, Nolte ainda encontra forças para defender seus pontos de vista e lutar contra a mediocridade no cinema. O astro de O Óleo de Lorenzo, O Príncipe das Marés e Cabo do Medo conversou com o Guia da Semana, em Los Angeles, sobre literatura, além de seus filmes mais recentes - As Crônicas de Spiderwick e Trovão Tropical.
Há algum tipo de livro que você goste de ler ou que se interesse por ele?
Nick Nolte: Claro, acabei de ler Sidartha (MNS) para minha filha de quatro meses. Leio Hamlet de vez em quando. Across the River é outro. É de um tal Hemingway, conhece?, Ele escreveu sobre um Coronel da Segunda Guerra Mundial que vai para Veneza. Ele sabe que está morrendo por causa de seu coração. Está velho. Ele fica amigo e se torna amante de uma bela moça veneziana. E a família dela fica bem revoltada com isso. Ele fala com a mãe dela e explica que não vai ficar muito tempo por ali, pois está morrendo. Eles vão para uma ilha onde vão se casar, mas ele morre quando chega lá. A imprensa simplesmente destruiu o livro, chamou de estúpido, considerou a história boba, etc. Sem pé nem cabeça. Então, Hemingway ficou extremamente irritado. Daí ele decidiu escrever O Velho e o Mar, que foi seu livro seguinte. Cada coisa que arrancava um pedaço daquele peixe era um crítico do livro anterior, destruindo um sonho. Essa foi a força motriz por trás da história de O Velho e o Mar. Destruir aquele peixe era como acabar com a idéia inocente de paixão impossível para Hemingway.
Você escolhe filmes por alguma razão? Para a filha, pelo dinheiro, pelo roteiro?
Nick Nolte: É um conjunto de idéias que envolve escolhas desse tipo. Mas todas elas, invariavelmente, envolvem o roteiro. O roteiro tem que ser bom. Não dá para fazer, simplesmente. Ninguém consegue superar um roteiro ruim. Já tentei, mas não funciona. Os melhores atores do mundo podem estar no elenco, mas sem um roteiro bom, não existe uma estrutura para se apoiar e trabalhar. Só tem uma coisa pior que isso, que nunca mais vou fazer na vida: trabalhar com gente complicada. Se eu descobrir que vou lidar com esse tipo de gente em algum filme, pego minhas coisas e vou embora na hora. Sem pensar duas vezes.
E o que o atraiu para um filme como As Crônicas de Spiderwick, por exemplo?
Nick Nolte: Foram os livros. Mandaram os livros e o Guia de Campo. Foi um jeito inteligente de me fazer ver esse mundo mágico. Não que ele exista fisicamente, mas certamente é real em algum nível do nosso subconsciente. Sempre escrevemos e falamos sobre o assunto, já reparou? Existe uma literatura gigantesca sobre fadas e criaturas fantásticas. E isso existe há tanto tempo, que é ilógico duvidar que exista alguma base real para a coisa toda. Comprovei isso com os livros e os personagens. São tantos deles. Dentro e fora da casa, em todos os cantos. Centenas de fadinhas, trolls, goblins e tudo mais. Essa mitologia é interessante, pois o mundo sutil existe há muito mais tempo do que o mundo real e Mulgarath viu o homo sapiens evoluir. Ele tem muita inveja, sabe.
Você sempre foi considerado um sujeito intenso durante o trabalho. É possível se ver atuando de outra forma?
Nick Nolte: Não, se eu não me entrego ao que faço, simplesmente não faz sentido. Seria um erro, assim como aceitar fazer um filme com gente de quem eu não gosto ou com um roteiro muito ruim. O roteiro até pode melhorar, mas as pessoas não. Quando dublei as cenas de As Crônicas de Spiderwick, tudo estava certo ali: gente boa e roteiro interessante. Suei a camisa, literalmente. Foi algo muito intenso, especialmente porque o personagem exigia isso.
Sua participação em Trovão Tropical foi igualmente intensa?
Nick Nolte: Sim e não. Os elementos positivos estavam ali, mas não exigiu tanto fisicamente. Foi um trabalho mais cerebral e facial por assim dizer.
O que há de especial nesse filme?
Nick Nolte: Acho que ninguém nunca tratou o Vietnã daquela maneira, sabe. Por mais que Ben [Stiller] e os meninos [Downey Jr. e Jack Black] falem bastante da sátira e da crítica aos atores, vejo que, ali, há uma análise do próprio conflito em si. Fomos até lá, lutamos, morremos e perdemos. E o que existe hoje em dia? Traficantes de drogas e armas. Ou seja, não adiantou nada e deve ter piorado a situação. Mas Hollywood precisou criar toda essa aura em torno dos soldados, etc. Eles comeram o pão que o diabo amassou lá.
Seu personagem critica qual dos lados dessa história?
Nick Nolte: Todos, acredito. Eu vivi tudo aquilo, então, tenho lembranças. Vocês, mais jovens, apenas escutam histórias, são educados de acordo com versões oficiais ou pelos filmes. Como tanta gente participou, não há como saber se tudo o que foi dito é verdade, se todos os livros são verídicos e tudo mais. Especialmente por termos perdido essa guerra, tudo pode ser colocado em dúvida ali. Não estamos falando do making of de um filme ou da festa de aniversário da sua filha, mas sim de algo que alterou a história e a vida de muita gente. Não se pode acreditar em tudo, sabe!
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Quem é o colunista: Fábio M. Barreto adora escrever, não dispensa uma noitada na frente do vídeo game e é apaixonado pela filha, Ariel. Entre suas esquisitices prediletas está o fanatismo por Guerra nas Estrelas e uma medalha de ouro como Campeão Paulista Universitário de Arco e Flecha.
O que faz: Jornalista profissional há 12 anos, correspondente internacional em Los Angeles, crítico de cinema e vivendo o grande sonho de cobrir o mundo do entretenimento em Hollywood.
Pecado gastronômico: Morango com Creme de Leite! Diretamente do Olimpo!
Melhor lugar do Brasil: There´s no place like home. Onde quer que seja, nosso lar é sempre o melhor lugar.
Atualizado em 1 Dez 2011.