Foto: Imdb |
Diante de filmes que são verdadeiras avalanches de cor, movimento, pirotecnia, cortes rápidos, sequências de ação vertiginosas e quase sempre nenhuma história interessante (como Avatar, Transformers e outros nessa linha de "cinema"), sempre me pergunto: 'E onde está o cinema?'. Daquilo que entendo por cinema, muito pouco vejo nos grandes blockbusters dos últimos tempos. Simplesmente não encontro neles o cinema que preciso.
Por isso talvez eu tenha ido buscar refúgio, dia desses, na obra de um diretor muito pouco conhecido, mas cuja obra deveria ser sempre revisitada. Refiro-me a Jacques Tati e o filme que vi foi uma de suas obras-primas: As Férias do Sr. Hulot, de 1953.
Jacques Tati foi um grande comediante do cinema, mas com uma obra que conta com apenas seis longas-metragens e dois curtas. Em seus filmes, Tati explora o humor físico, dotado de uma graça arquitetada pelo jogo de cena, pelo mímico e mimético dos gestos. Um humor amparado e sustentado pela imagem antes de qualquer coisa, no qual a palavra em nada se aplica. Quase não há diálogos em seus filmes, marcados por esse humor poético, quase ingênuo, mas que por trás dessa aparente ingenuidade esconde uma inteligente crítica de costumes.
Em As Férias do Sr. Hulot o personagem recorrente vai passar a alta temporada na praia. Não há um roteiro, apenas esquetes e situações através das quais Tati desenvolve sua comicidade com a figura estabanada e solitária de seu personagem, que se envolve em diversas confusões.
Tati faz de seu filme um retorno ao cinema original, o verdadeiro cinema, que não é feito de palavras, mas de imagens. Para muitos, nos anos 30, a sonorização do cinema representou a morte de sua essência. O gênio Charles Chapplin era um dos que assim pensavam.
Jacques Tati redescobre e reinventa essa essência do cinema, mas o atualiza com a sonorização. Seus filmes não são mudos e até há diálogos neles, que não são explicativos e compõem apenas um elemento sonoro, junto com os demais ruídos, como o motor de um carro velho, o som da turba rumo à praia, a porta vai-e-vem que pontua entradas e saídas de cena. Ele se utiliza do som não como elemento narrativo ou explicativo, mas como uma moldura para o que realmente importa, a imagem. É através dela que deve viver o cinema e é dela que Tati extrai seu humor, composto por situações, gestos e desencontros.
Claro que há no personagem do Sr. Hulot e na obra de Jacques Tati uma herança de Chapplin, mas não de forma ostensiva ou repetitiva. Tati inventa seu próprio cinema, seu próprio ritmo e seu próprio jogo de cena. É original, autêntico e, sobretudo, engraçado.
As Férias do Sr. Hulot é uma comédia que faz rir. Algo que se torna raro em nosso tempo de magra criatividade no humor, cujas comédias são quase sempre opacas, monótonas ou irritantemente repetitivas. Fazer rir é da arte uma nobre feitura, e para poucos. Tati consegue o feito com a ingenuidade e boa vontade de seu Sr. Hulot, que protagoniza cenas engraçadas, como a inesquecível queima acidentalmente de um paiol de fogos de artifício.
A obra de Jacques Tati merece cada retrospecto e merece ser conhecida. Revela uma verdadeira vontade e paixão pelo humor e pelo cinema original, no qual a imagem prevalece sobre qualquer palavra. Mais que uma obra, é um tributo às raízes de uma arte que atravessa o tempo e sobrevive no alto patamar da arte, graças aos que a reinventam e renovam a cada geração. Tati sem dúvida está entre eles. E é em Tati, e em tantos outros tão pouco conhecidos, que se encontra - e se preserva - o cinema de verdade, aquele que procuro e preciso.
Leia as colunas anteriores de Rogério de Moraes:
Travessia de Herói
Do seu tempo
Marcas do Passado
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Atualizado em 10 Abr 2012.