Guia da Semana

Por Ravi Santana


À Margem do Concreto fala sobre a luta dos sem-teto pelo direito à moradia dentro da cidade de São Paulo. O diretor, Evaldo Mocarzel, falou com o Guia da Semana sobre o filme, parte de uma tetralogia sobre a exclusão na cidade, que fez tentando abordar os temas de uma forma humanizada, ao contrário do que se vê nos noticiários.

Nascido em Niterói, Evaldo Mocarzel vive em São Paulo e não se cansa de declarar seu amor pela cidade, cenário da maioria de seus filmes. Formado em cinema e jornalismo pela UFF, atuou durante anos no jornalismo, oito deles como editor do caderno de cultura de O Estado de S. Paulo. Estreou no cinema em 1999, com o curta-metragem Retratos no Parque e, em 2001, começou a tetralogia com À Margem da Imagem. Fez ainda os premiados Mensageiras da Luz - Parteiras da Amazônia e Do Luto à Luta, sobre a síndrome de down.

Tetralogia dos marginalizados

Concebido para discutir o roubo da imagem dos excluídos, À Margem da Imagem deveria abordar moradores de rua, sem-teto e catadores de papel. Com o filme pronto, houve uma exibição para os personagens. E os sem-teto e os catadores de papel acharam que não se enquadravam ao filme. Mocarzel diz que eles pediram um filme próprio, quando nasceu a idéia de criar a tetralogia.

Ao projeto, ele acrescentou um documentário sobre o consumismo sob o ponto de vista de moradores da favela do Jardim Edith, no Brooklin. Ficando assim, À Margem da Imagem, À Margem do Concreto (foto), À Margem do Lixo e À Margem do Consumo

O primeiro filme se baseou nas pesquisas da filosofa Maria Cecília Loschiavo dos Santos, professora da FAU/USP. Neste, Mocarzel contou com a ajuda da pesquisadora Cristiane Benedetto e da arquiteta Valéria Cusinato Bomfim. Segundo o diretor, houve uma riqueza tão grande nas entrevistas feitas para À Margem do Concreto, que as do filme anterior, com os sem-teto, não precisaram ser usadas, mas que talvez as coloque no DVD.

O diretor, que se considera um "documentarista acidental", disse que o primeiro contato com os personagens foi difícil, já que a mídia costuma demonizá-los, mas ele logo mostrou que sua intenção era humanizar o movimento, já que, como ele diz, a função do documentário é mostrar um "olhar humanista dramatúrgico" do fato.

Movimentos dos Sem-Teto

Para realizar o filme, foram entrevistados líderes de associações de sem-teto, além dos próprios integrantes. O objetivo destes é ocupar os prédios vazios do centro, com um intuito político, sugerindo que sem atitudes como estas nada é feito. Segundo o diretor, 30% dos prédios do centro da capital paulistana estão desocupados e de nada servem programas de restauração do centro com objetivos apenas estéticos, sem pensar no lado social.

"O governo defende os inadimplentes ao invés de criar projetos sociais", diz, ao lembrar de casos de edifícios de R$ 2 milhões que devem mais de R$ 5 milhões em IPTU, e que, mesmo assim, o proprietário continua com a posse. Mocarzel (foto) contrapõe com o caso de um prédio no Anhangabaú, o Hotel São Paulo, que na década de 40 chegou a hospedar personalidades internacionais, mas que estava vazio. Houve a ocupação e hoje lá existe uma creche e em breve também um posto de saúde.

Ao concluir o filme, o diretor distribuiu DVDs entre as organizações e desde então eles são exibidos em ONGs, eventos de cunho social e entre os próprios sem-teto. Ele afirma que quando o personagem Luiz Gonzaga da Silva, do Movimento de Moradia do Centro, foi preso, usaram o filme como argumento para que ele fosse liberado.

Percurso do filme

À Margem do Concreto foi exibido pela primeira vez ainda em 2005 no Festival de Brasília, onde venceu mesmo concorrendo com filmes de ficção. Ainda na capital, o filme foi exibido para lideranças sem-teto numa iniciativa do Ministério das Cidades. Depois, a fita passou por festivais como o É Tudo Verdade, o Cine Ceará e a Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, ganhou um festival de direitos humanos em Buenos Aires e será exibido na França, Barcelona, Bologna, entre outros.

Com o lançamento nos cinemas, o filme vai cumprir apenas mais uma de suas diversas etapas, que começou em novembro de 2005. Evaldo Mocarzel não tem mais como saber todos os lugares em que o filme já foi exibido, já que as cópias em DVD fugiram de seu controle. Mas, como ele mesmo disse, "documentários tem um percurso que não é só o das salas de exibição".

Atualizado em 6 Set 2011.