Guia da Semana

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A crítica de cinema, muitas vezes, passa por elementos extra-fílmicos. Quando isso acontece, é preciso identificar a relevância de cada coisa e ser imparcial na medida do possível - e da paixão pelo cinema. No entanto, deve-se fazer isso sem abrir mão de suas próprias experiências pessoais, de sua história, de sua bagagem. É nesse sentido que a crítica também esbarra, algumas vezes, em questões geracionais. Quando isso acontece, ficamos pendendo de um lado para outro, mas no fundo sabemos do que gostamos e do que faz parte de nós.

Enquanto assistia ao filme Os Mercenários, não conseguia achar ruim os diálogos, mesmo sendo eles ruins. Não conseguia achar ruim o roteiro, mesmo sendo ele péssimo. Não conseguia achar ruim as interpretações, mesmo sendo elas monocórdias. Não conseguia achar ruim as cenas de luta, mesmo sendo elas... apenas cenas de luta. A verdade é que não conseguia desgostar do filme, mesmo sendo todo ele o oposto do que me faz hoje gostar de um filme.

O mais sintomático da catarse que eu vivia naquele momento foi quando me peguei soltando uma gargalhada e sentindo um rejuvenescedor prazer com uma cena em que um dos mercenários, com uma poderosa arma de fogo, explodia corpos e cabeças. O mais dissonante na minha reação com esta cena foi me lembrar que, menos de 24 horas antes, eu vertia lágrimas ao rever Giulietta Masina sorrir para a câmera na cena final de Noites de Cabíria, de Federico Fellini. Como é possível tamanha discrepância? Arrisco: questão geracional.

Um crítico de cinema que já esteja na casa dos 70 anos pode dizer que os filmes de sua vida foram dirigidos por Fellini, Visconti, Bergman, de Sica e outros gênios. Já eu sou de outra geração, me tornei cinéfilo já adulto e vi a maior parte dos filmes ditos "de formação" em mostras, retrospectivas, VHS, DVD ou na tela do computador. Minha adolescência e juventude ocorreu entre os anos 80/90. Os filmes que fizeram parte da minha formação como adorador de cinema foram protagonizados por Stallone, Schwarzenegger, Jean-Claude Van Damme, Bruce Willis e outros durões do cinema de ação da época. O filme da minha vida, se fosse para ser sincero, teria de ser Comando para Matar, ou Duro de Matar, ou Desejo de Matar ou algum "Sei-lá-o-que-Matar" do gênero.

Assim, a carga emocional que as cenas de ação de Os Mercenários me causaram se explicam por isso. Aquilo é a minha geração, aquilo era meu cinema quando eu era um menino que pedia dinheiro para o pai, e ficava a tarde toda no centro de São Paulo entre sessões duplas no Cine Metro ou no Cine Marrocos. É nesse sentido que posso dizer que gostei bastante de Os Mercenários.

Stallone não poupa ironia em seu filme. Alfineta-se a si mesmo, reflete sarcasticamente sobre a velhice, sobre o fim dos tempos dourados, dos músculos rígidos, do fôlego para a ação. Seu filme é um testamento, é uma despedida de uma geração que arrasou quarteirões - metafórica e literalmente - nos anos 80/90.


É prato cheio para quem gosta de ação, explosões, tiros e homens cheios de uma virilidade em extinção no cinema de hoje. Os clichês do gênero estão lá e é bom vê-los novamente, escancarados numa trama simples, em personagens unidimensionais, em diálogos bobos.

No fundo, Os Mercenários se resume a um encontro de amigos combalidos (uns mais que os outros), para uma aventura derradeira e para o lamento bem humorado e cínico de um tipo de muscle movie que não existe mais. É a celebração de uma geração que, no ocaso de seu tempo, decide que ainda dá pra mais um. Vale como diversão, como despedida, como última nostalgia. Talvez não tão última assim, mas que importa? Os Mercenários é bom porque é ruim e se fosse melhor seria pior.

Leia as colunas anteriores de Rogério de Moraes:

O Segredo do Grão

Duas Semanas de Filme

O chato (ou não)

Quem é o colunista: gordo, ranzinza e de óculos.

O que faz: blogueiro, escritor e metido a crítico de cinema.

Pecado gastronômico: massas.

Melhor lugar do Brasil: qualquer lugar onde estejam meus livros, meus filmes, minhas músicas, meus amigos e minha namorada.

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Atualizado em 6 Set 2011.