Guia da Semana


Dá para imaginar Jean Renoir subindo em uma árvore? Ou Fritz Lang fugindo de casa? Quem sabe Alfred Hitchcock levando uma bronca da mãe? Enquanto se é criança uma porção de acontecimentos vão moldando a personalidade. Para algo que parecia tão impactante hoje conseguimos reconhecer o quanto era na verdade singelo. Mas todo esse apanhado de momentos define, em maior ou menor escala, o adulto que somos hoje. Freud bem sabia o quanto a infância é decisiva.

Em meu passeio à 31º Mostra Internacional de Cinema tive o imenso prazer em me deparar com o francês Enfances, em português Infâncias. Infelizmente já adianto que, pela minha busca, até fevereiro de 2008 o filme não estréia. Cinco diretores e uma dupla elaboraram curtas-metragens que contavam um episódio da vida dos mestres Fritz Lang, Orson Welles, Jacques Tati, Jean Renoir, Alfred Hitchcock e Ingmar Bergman. Em quase uma hora e meia, permaneci curiosa para tentar descobrir quem pertencia a qual episódio.

Dirigido por Ismaël Ferroukhi, o capítulo O par de sapatos mostrava Jean Renoir de férias. Nesse tempo, o bem-nascido descobriu uma porção de coisas simples com um garoto pobre da mesma idade. Subir na árvore, espiar mulheres e assar na brasa um bicho que acabara de matar na floresta foram algumas das peripécias vividas por ele.

Já o episódio de Orson Welles, chamado O olhar de uma criança, mostra um pequeno drama. O garoto, vendo sua mãe adoentada, acreditava que ela não morreria enquanto ele estivesse olhando-a, literalmente. Lá ficou ele por muito tempo na maior preocupação e comprometimento, lutando pela vida da mãe e contra o próprio sono. Em Um segredo atrás da porta, dirigido por Yann Le Gal sobre Fritz Lang, mostra um menino de forte personalidade argumentar sobre política e viver sérios conflitos interiores em função disso. O choque de ideais e sentimentos fez com que ele corresse em busca de respostas.

Abra a porta, por favor, da dupla Joana Hadjithomas e Khalil Jorelge, retrata o constrangimento que Jacques Tati enfrentou ao ser praticamente um gigante perto dos colegas de classe. Sempre tem aquele que é o mais baixinho, o mais gordinho, o magrelo que sofre com piadinhas. Eis que todos eles um dia têm o momento de revidar.

Short Night, algo como "breve noite", de Corinne Garfin, é a conexão mais forte para mim. O pequeno Alfred Hitchcock é deixado sozinho em casa. Como toda criança com forte imaginação começa a ver silhuetas onde nada existe e ouvir um mínimo barulho em um silêncio total. Todo apreensivo, o menino luta contra seus medos para "sobreviver" até os pais chegarem. Em preto-e-branco, o curta tem fortes cortes propositais de suspense. Nada mais de acordo quando se trata da infância daquele que é considerado por muitos o mestre desse gênero.

O Nascimento, de Saly Nebboi, é um episódio engraçado de Ingmar Bergman. Quando sua irmã nasceu toda aquela rotina masculina parecia estar abalada. Não só isso, mas agora a atenção dos pais seria disputada com a recém-chegada. A solução seria dar um fim no bebê. Claro que o plano não é concluído, mas me deixou a impressão da ligação familiar.

Fotos: Divulgação/site oficial do filme

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  • Atualizado em 6 Set 2011.