Guia da Semana

Paulo Wainer
Branco Mello e Oscar Rodrigues Alves, idealizador e produtor do documentário

Durante mais de 26 anos Branco Mello documentou os bastidores de um dos maiores ícones pops dos anos 80/90 no Brasil. Titãs - A vida parece uma festa conta à história de Tony Belloto, Marcelo Fromer, Sérgio Britto, Paulo Miklos, Charles Gavin, Nando Reis, Arnaldo Antunes e o próprio Branco Mello, que juntos viveram momentos marcantes, como conquistas históricas para uma banda de rock no país e de sofrimento, como a morte de um dos integrantes.

Com ajuda do diretor Oscar Rodrigues Alves, mais de 200 horas de filmagens se transformaram em um documentário rico em detalhes que prometem passar a limpo às histórias que só fãs mais fervorosos conhecem. Oscar Rodrigues nos conta com exclusividade como foi a montagem desse documentário que levou mais de duas décadas para acontecer.

Guia da Semana: Como surgiu o convite para dirigir o documentário?
Oscar Rodrigues Alves: Eu fiz um clipe com eles, o Epitáfio (2002), que quem me chamou para esse trabalho foi o Tony Bellotto e foi assim que a gente se conheceu. Nesse clipe eu usei imagens muito antigas da minha família. Meu avô, em 1928, quando o meu pai nasceu, comprou uma câmera para filmar meu pai bebê. E na gravação de Epitáfio a gente usou uma boa parte dessas imagens, mais alguns filmes que eu fiz da minha família ao longo desses anos. O clipe ganhou vários prêmios e foi aí que o Branco (Mello) disse "Oscar você cuidou tão bem da história da sua família, não quer cuidar da história da minha família?". Depois disso ele chegou na minha casa co um hard disc cheio de imagens incríveis que ele gravou ao longo dos anos. Foi aí que o projeto começou acontecer.

GDS:Qual foi a parte mais difícil de montar o documentário?
Oscar: Foi descobrir um formato diferente do tradicional documentário, normalmente você pega os artistas e as pessoas que estiveram próximas a ele, faz sentar numa cadeira e ficar falando sobre aquela época. Nossa idéia era, já que ele tinha documentado grande parte das aventuras deles, descobrir como é que a gente ia contar essa história para que não achasse entre aspas careta, tradicional ou antiquada. Achar uma forma de contar essa história que fizesse jus a tudo que eles tinham captado. Essa parte eu não digo que foi a mais difícil, mas a menos óbvia.

GDS: Além das gravações feitas pelo Branco, qual tipo de pesquisa que vocês utilizaram no fdocumentário?
Oscar: Em 89, quando eles lançaram o álbum O Blésq Blom, abria com dois cantadores de Recife o Mauro e a Quitéria. Nessa época eu era editor no SBT, fiz uma entrevista com os dois em Pernambuco depois conseguiu entrevistar os Titãs aqui em São Paulo. Em três anos que eu trabalhei em telejornais diários essa foi a única matéria que eu guardei o material bruto e esse material também está no filme. A gente fez uma pesquisa grande nas tvs e em todo o material que havia: Chacrinha, Barros de Alencar, Marília Gabriela e juntando essa pesquisa, com todo o meu material mais o material dos Titãs a gente fez um filme no qual a gente não precisou parar e entrevistar os caras hoje. A gente conseguiu fazer com que o filme fosse contato por eles e por entrevistas feitas nas épocas que as coisas foram acontecendo. Essas entrevistas não tem um distanciamento histórico, elas foram contatadas na emoção da época, o que dá um sabor muito especial para o filme.

GDS: Existe alguma entrevista recente?
Oscar: Muito pouco, na verdade alguns temas a gente não encontrou nenhum material de arquivo, como por exemplo a prisão do Arnaldo (Antunes) e do (Tony) Bellotto por porte de heroína, então algumas pequenas coisas como essa, que não havia um material legal de arquivo, ou que a gente não tinha gostado, eu fiz uma viagem com ele e entrevistas dentro do ônibus deles. Mas eu diria que é uns 2% do filme, coisas muito pontuais.

GDS: Como foi transformar mais de 200 horas de gravação em uma hora e meia?
Oscar: Acho que na verdade essa foi a parte mais difícil (risos). Era um material muito bom que eu tinha nas mãos. Trabalho com muitos artistas pops e nenhum deles teve a visão que os Titãs tiveram de registrar tudo desde de sempre, mesmo antes serem conhecidos. Acredito que esse é o grande barato do filme.

GDS: Como foi a idealização do formato do documentário?
Oscar: A gente tirou bastante proveito da tecnologia. Antigamente quando você editava projetos grandes como esse e pretendia fazer uma edição não linear tinha que planejar muito bem a edição antes de começá-la. Agora com softwares você pode mudar facilmente a ordem das coisas, arrastando um evento pra trás ou pra frente, mudando o jeito de narrar, tirando e cortando. Assistimos mais de 400 horas ao todo e fomos fazendo analogias interessantes ao longo que a gente ia assistindo essas imagens. Primeiro fizemos um corte de três horas, depois de duas horas e meia e depois a gente foi lapidando até chegar no resultado final. Na verdade o DVD vai ser bem apetitoso, porque a gente deixou de fora muita coisa. Mas a gente tinha na cabeça que o filme não podia ser maior do que uma hora e meia. Como a intenção foi sempre fazer esse filme para cinema, a gente acha que um documentário não deve passar desse tempo. É melhor o espectador ficar com gostinho de quero mais do que dez minutos entediado na cadeira do cinema.

Paulo Wainer
Titãs no inicío da carreira

GDS: Por que o documentário demorou mais de seis anos para ficar pronto?
Oscar: Primeiro de tudo nem o Branco nem eu paramos de filmar, fazer shows e gravar para se concentrar totalmente no filme. Usávamos o tempo disponível dele e o meu para produzir. Segundo, demorou para a gente conseguir patrocínio. Apesar de requerer pouca captação de imagem, é um projeto caro, tudo o que se faz para cinema a pós-produção é bastante cara. A gente voltou nas fitas máster de áudio, que são as fitas que você usa para gravar discos no estúdio para poder remixar para o cinema em 5.1, na verdade o som mais do que a imagem requereu um trabalho de restauração bem maior. A imagem na verdade a gente deixou com todo os mofos e fitas amassadas, mas a gente sabia que isso só ficaria bom se o áudio estivesse espetacular. Os Titãs apesar de serem uma banda muito performática, com figurinos, maquiagens, coreografias, foi o som que uniu os caras. Então a gente sabia que o filme era um filme musical e precisava ter um áudio muito bom e muito bem cuidado para suprir esses defeitos que a gente deixou que a imagem tivesse.

GDS: Tem algum material que vocês deixaram de usar porque a qualidade estava ruim?
Oscar: Não chegamos a perder material. Muito pelo contrário, tem umas imagens que estão bem detonadas, mas estão deliciosas no filme. Na minha opinião, é uma das partes mais legais.

GDS: Qual é a parte que você considera mais relevante?
Oscar: Muito difícil. Todas as partes são muito interessante. Tenho certeza que os fã, principalmente os mais jovens, vão se interessar pelo inicio da carreira da banda, que é aquele momento onde o sonho de fazer sucesso se torna realidade. Acho que o filme muito mais do que ser um documentário jornalístico, que pretende contar a história dos Titãs álbum a álbum, o grande barato é mostrar aos fãs que o seu sonho pode dar certo, por mais estranho, por mais diferente que seja. Como é diferentes uma banda com oito pessoas onde não há um líder há vários líderes. Onde no começo trocavam os instrumentos, uma hora um tocava baixo, depois ia tocar teclado como eram os Titãs no inicio da carreira. Acho que as imagens mais antigas são as imagens mais interessantes, que são as coisas inéditas que o Branco gravou. Os Titãs visto por um olhar totalmente insider, sem censura.

GDS: Teve alguma parte censurada, que de acordo coma banda, não era legal colocar?
Oscar: Não o filme é bem pouco chapa branca. Até momentos que poderiam ser bastante delicados, como o Liminha, que era produtor do álbum, dando uma broca no Charles (Gavin) falando que do jeito que ele estava tocando era completamente inadequado para aquela música, é um momento que expõe bastante a banda e nem por isso eles deixaram de fora. Eles foram bastante ousadas e verdadeiros ao contar a sua história.

GDS: De onde surgiu a idéia do nome, Titãs - A vida até parece uma festa?
Oscar: É o primeiro verso da música Diversão. Esse subtítulo já tinha sido usado em biografia que existe sobre eles, lançado em 2002 e o Branco achou que seria legal, era um título bem adequando. Rock and Roll tem muita diversão, tem muita curtição mas tem muita parte de tristeza ligada a prisão do Arnaldo e do Bellotto, a morte do Marcelo Fromer, a saída do Arnaldo (Antunes) e do Nando (Reis). O filme é muito divertido, mas tem, assim como a vida e a carreira dos Titãs, momentos muito emocionantes, então o Branco achou esse título bastante significativo.

GDS: Qual é o momento mais triste do filme?
Oscar: Certamente é a morte do Marcelo é o momento mais triste.

GDS: Qual é a diferença de dirigir um documentário que retrata a vida dos Titãs e um vídeo clipe que foi tão premiado como Epitáfio?
Oscar: Muito diferente, o clipe é sempre uma visão artística sobre o que a música está dizendo. No caso dos Titãs, todos os clipes que eu fiz, que fora cinco ele me deram total liberdade artística para fazer a leitura que eu quisesse sobre a música, claro a gente se reunia e eu apresentava as idéias e a gente se entendeu muito bem e o que eu propus a ele nesses cinco clipes ele adoraram, fizemos os clipes tranqüilamente. No caso do filme é um documentário o máximo de artístico no projeto como esse é a forma como você acha interessante contar a história. Que tem milhões de maneira, você pode contar cronologicamente, respeitar ano a ano, disco a disco. Não foi o que nós fizemos, o filme fica indo e voltando, você sente ao longo do filme ele passar pra gente, quer dizer, ele começa lá atrás e termina aqui na frente. No meio dele fica indo e voltando e fazendo analogias interessantes e inteligentes, modéstia a parte, mas não é absolutamente cronológico do começo ao fim. Aí sim você tem uma parcela de arte no meio de um processo totalmente jornalístico. È um projeto que durou seis anos e eu nunca passei mais de um mês e meio fazendo um clipe. O envolvimento é muito maior, esse filme é você falando da carreira de oito pessoas, sobre 26 anos que se expõe muito.

Todos integrantes da banda acompanharam de perto a produção?
Oscar: No quarto ano do projeto o Branco chegou e disse que já tem aqui algo para começar a mostrar para aos Titãs. Era a hora da verdade, de saber a reação dos outros seis e a família do Marcelo que esteve muito presente durante o processo todo. Mas graças Deus todos eles curtiram muito. Nesse ponto eu acho que o Branco foi brilhante também de cuidar para que, por exemplo, apesar do Arnaldo ter saído no décimo ano da banda e a banda ter 26 anos hoje, quer dizer a banda foi muito mais longeva depois que ele saiu do que antes, no filme nem parece, o Arnaldo tem uma presença muito grande no filme, muito mais do que 40% que foi o tempo que ele participou da banda. A importância artística do Arnaldo para Titãs é muito grande e o Branco não fez a menor diferença nessa hora, tanto o Arnaldo como o Nando que saíram estão muito bem representados.

GDS: Tem alguma informação inédita da banda no documentário?
Informação inédita acho que não. É uma outra visão que os fãs não conhecem, de como trabalhar de como compor, mas nenhuma informação inédita. GDS: O que pretendem fazer com o restante do material? Pensam em lançar outro filme?
Oscar: Vai ser extra bem apetitoso no extra no DVD. Outro filme não.

Atualizado em 6 Set 2011.