Acho que minha vida pode ser dividida em algumas fases cinematográficas. Um dos primeiros filmes que lembro de ter visto foi a trilogia Indiana Jones, aos 7 anos. Meus olhos brilhavam ao acompanhar a saga do arqueólogo-professor-aventureiro charmoso, interpretado por Harrison Ford em filmes deliciosamente dirigidos por Steven Spielberg.
Depois, aos 10, vi pela primeira vez Mary Poppins, clássico da Disney dos anos 60, que mostrava a babá mágica que toda criança sonharia em ter. Olhava para Julie Andrews e conseguia imaginar aquela mulher linda, divertida e que levava as crianças a um mundo lindo e fantástico.
Eis que, aos 12, vi Toy Story. Eu - e acredito que muita gente também - ainda não sabia a dimensão que a Pixar tomaria nos anos seguintes. Era o primeiro filme totalmente feito com computação gráfica e, observar aquela magia de que os brinquedos ganhavam vida quando os seres humanos não estavam vendo, eram coisas maravilhosas de se ver, sentir e se divertir. Misturava humor, aventura, personagens cativantes e com personalidades bem delineadas, além de temas sérios, como inveja, solidão e ciúmes.
Toy Story 2 chegou às telas quando eu tinha 17 anos e eu vi que a Pixar estava acompanhando o crescimento de seus espectadores. Os personagens ganharam passado e a escolha de viver para sempre sendo amado por outras crianças ou correr o risco de viver no ostracismo quando o seu dono crescesse. Não estávamos mais brincando, literalmente. Mas, mesmo assim, nos divertíamos. E nos emocionávamos.
Então, em 2010, chega Toy Story 3. O definitivo. Mesmo que haja uma continuação, seria "desnecessário", a meu ver. O ciclo da trupe, composta pelo caubói Woody, o astronauta Buzz Lightyear, e companhia, se fecha de um modo impressionantemente bem acabado. Andy, o dono dos brinquedos, está com 17 anos e pronto para ir para a faculdade. Para a família de bonecos, o momento que eles esperavam com pesar havia chegado: a vida adulta de seu dono.
Com uma cena inicial fantástica, repleta de efeitos especiais, Toy Story 3 jamais perde o ritmo. Com uma tecnologia infinitamente superior ao seu primeiro longa, o filme tem ação, humor e um roteiro de extrema inteligência. Emocionante, a animação é uma ode à infância que se "perde" com a chegada da vida adulta e as consequências disso. Literalmente, um filme para adultos e crianças, tocando em temas como a saudade, a separação, a nostalgia de um tempo que não volta mais.
Esses brinquedos que tanto fizeram parte da vida de Andy estão sem rumo. Não sabem se serão guardados no sótão, se irão para a faculdade, destinados à doação ou, simplesmente, jogados na lata de lixo. Porém, após uma confusão, os brinquedos - com exceção de Woody - vão parar em um orfanato, repleto de outros brinquedos e algumas surpresas nada agradáveis. É aí que a aventura finalmente começa.
Coadjuvantes bem desenvolvidos - cujas características e personalidades se apropriam de suas estruturas como brinquedos -, muita aventura e, claro, um filme bem amarrado e emocionante do começo ao fim. Com referências cinematográficas que os pequenos só entenderão quando estiverem mais velhos, Toy Story 3 é mais sombrio que os dois primeiros, mas não deixa de lado o humor inteligente e, ao mesmo tempo, pastelão que consagrou a série. Com vilões que enganam pela carinha inocente, o filme é uma mostra de que o sofrimento pode transformar as pessoas, seja pelo lado bom como pelo lado ruim.
Outra parte interessante do filme é como os brinquedos saem do quarto e ganham outros espaços, interagem mais com o mundo exterior, tomando sempre cuidado para não serem vistos pelos humanos. Tudo funciona em termos de ação, aventura, suspense, drama, romance, mas sempre com a aura do filme e a seiva da Pixar. Com direção de Lee Unkrich e roteiro escrito a oito mãos (Unkrich, Michael Arndt, John Lasseter e Andrew Stanton), Toy Story 3 prende a atenção até o fim.
Com cenas de extrema delicadeza e poesia, o final melancólico e lacrimoso nos traz o ciclo incessante da vida infantil substituída pela maturidade. Porém, na vida adulta esconde-se, sorrateiramente, a alma que um dia já foi criança. E mesmo tristonhos e saudosistas, percebemos que sempre há tempo e idade para uma última brincadeira.
Leia as colunas anteriores de Leonardo Freitas:
De encher olhos e coração
50 anos de cinema
História Judia
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Atualizado em 6 Set 2011.