É isso aí. Com um título simples e definidor, Michael Jackson planejava ratificar seu lugar no trono de "Rei do Pop". As gravações dos ensaios para a série de shows em Londres viraram um documento histórico que mostra a paixão, a genialidade e a sensibilidade do artista. Não vale a pena discorrer sobre o set list do show. O próprio Michael já havia anunciado que cantaria o que "os fãs querem ouvir". Para eles, até a ordem das músicas era razoavelmente previsível.
O documentário, na verdade, é estruturado como seria o show, alternado com entrevistas e depoimentos. No início, já há o aviso do diretor de que o filme não é sobre Michael ou sobre sua vida ou morte. É um retrato sobre sua obra e uma rara visão do artista em um momento criativo, mostrando sua inspiração. Não há um momento feito "para chorar" ou "para emocionar".
No começo, dançarinos falam sobre os testes, as seleções e a visão sobre Michael Jackson. A devoção e a paixão são evidentes. Tudo gira ao redor dele, que ainda canta primorosamente e exibe o mesmo vigor de sua juventude nas coreografias. Misturado à violência e exagero nos movimentos dos bailarinos mais jovens, ele se destaca: tem o ponto ideal entre leveza e força, dançando com a "precisão infalível" que sua biografia descreve. Dá palpite nos arranjos, exige o timbre igual ao do CD, pois "a forma como eu escrevi é como os fãs querem ouvir".
O maior mérito do diretor Kenny Ortega é conseguir mostrar personalidades pouco conhecidas: uma delas é a de artista decidido, firme, inteligente e maduro. Coordena os vocais de apoio, pede mais groove ao baixista, colando o riff de Wanna Be Starting Something na bateria para encorpar o som. Pede licença antes de sugerir e admite erros com humildade rara, afinal, "é para isso que ensaiamos, fiquem tranquilos". Com gentileza, repete o tempo todo: "é com amor. A-M-O-R". Erra a segunda estrofe do sucesso Black Or White e pede desculpas. Convoca a jovem guitarrista Orianthi para a frente do palco e repassa a melodia da voz, orientando-a a buscar o solo adequado . "É sua vez de brilhar, vá para o agudo e me dê uma nota longa".
Além desse lado perfeccionista, exigente e cuidadoso, a criança Michael Jackson também está no filme. Durante as filmagens de uma sequência em 3D com os mortos vivos (que seria usada em Thriller), Michael ri, diverte-se com as caretas que seus bailarinos fazem como monstros enquanto chupa um pirulito. Em outra canção famosa, Billie Jean mostra mais um momento inusitado. Sendo um dos solos mais famosos do astro (a canção, que, inclusive, mostrou ao mundo o Moonwalk pela primeira vez, em 1983), ele sempre o faz sozinho no palco. Ouve instruções de onde estariam os objetos cênicos e os dançarinos, que viraram espectadores, pedem que a cante. Ele nega, mas o baterista atende aos pedidos e começa a batida. Como possuído por uma força maior, ele finge colocar o chapéu, começa a dançar e cantar. Vai até o fim, levando os dançarinos ao êxtase.
Quando percebe o que fez, Michael ri e timidamente esconde-se atrás dos óculos escuros: "Não, gente, não acredito que vocês fizeram isso comigo. Eu quero me poupar, mas vocês sabem que é mais forte que eu". O rei sorria e se divertia como nunca. Ou como sempre.
Outra filmagem, desta vez feita pelo próprio, torna-o personagem do filme Gilda (1946). O cantor é perseguido por gangsters e, quando encurralado no andar de cima, a cena se funde com o videoclipe de Smooth Criminal. Um verdadeiro espetáculo multimídia. Imagens novas sendo coladas em vídeos antigos, somada aos recursos em três dimensões e muita luz e pirotecnia.
Até canções conhecidas somente dos grandes fãs parecem ter encontrado espaço no show. Duas do álbum Invincible (2001) deram as caras: Speechless ganhou uma bela versão à capela, que demonstra a leveza e correção parnasiana de sua afinação. Até a fraca e enfadonha Threatened, colada ao final de Thriller, funcionou como A Cavalgada Das Valquírias para a saída dos defuntos do palco, ao comando dos passos de Michael no topo da uma espécie de ponte elevadiça.
Michael fala muito sobre o planeta, sobre a natureza, sobre amor. Tudo para ele se resume ao amor, e isso transparece em sua personalidade, em seus atos e nas suas crenças. Michael acredita no que canta, acredita que podemos salvar o planeta, a humanidade e, acima de tudo, sabe que com sua projeção pode influenciar e transmitir sua mensagem. Mensagem essa que ficou, finalmente, registrada para a posteridade. Afinal, a cortina se fechou e o "Rei do Pop" não está mais atrás dela.
Quem é o colunista: Jornalista, músico e só usa meias brancas e calçados pretos, igual ao Michael Jackson.
O que faz: Jornalista do Guia da Semana, compositor, violonista e cantor.
Pecado gastronômico: Chocolates, churrasco (feito por mim) e molho de alho caseiro da vó!
Melhor lugar do Brasil: Qualquer um que comporte a equação praia +violão + amigos.
O que ele ouve no carro, em casa e no IPod: Um pouco de tudo e de tudo um pouco.
Fale com ele: [email protected] acesse o site da sua banda!
Atualizado em 6 Set 2011.