Guia da Semana

Uma mariposa em torno de uma lâmpada sob o olhar de Vicent Gallo num belo fotograma em preto e branco. A imagem-metáfora do inseto que rodeia a luz até queimar suas asas é a abertura de Tetro, novo filme do diretor Francis Ford Coppola que estreia em 10 de dezembro nas salas do país.

Foto: Divulgação

Realidade portenha em preto e branco no reencontro dos Tetrocini

Rodado na Argentina no final de 2008 e lançado em Cannes no festival do ano passado, o filme pode ser avaliado como um reencontro do diretor com seus temas mais queridos e alguns traumas. Sem assinar o roteiro de nenhum filme desde Conversação, de 1974, o diretor se lançou ao desafio de marcar, mais uma vez, a história da arte cinematográfica com seu próprio punho. "Escrevi o roteiro com perguntas, que busquei respondê-las no processo do filme. É como o pintor, que não sabe como ficará o quadro ao final do processo. Assim é o trabalho de um cineasta", disse Coppola em coletiva de imprensa realizada no centro de convenções da FAAP (Faculdade Armando Álvares Penteado), em São Paulo.

O diretor veio dar uma palestra aos alunos da instituição sobre processo criativo e o futuro da arte cinematográfica, tema que mais gosta de falar. "O cinema ainda é uma arte jovem, tem pouco mais de um século, enquanto outras estão aí faz tempo. Os compositores de ópera do passado eram como cineastas em seu tempo", comenta ele ao explanar sobre as novas possibilidades e linguagens, das mais experimentais ao sucesso blockbuster dos filmes em 3D.

Acerto de contas

De arte Coppola entende bem. Tanto que faz dela, junto com a disputa familiar - outro tema que lhe é caro - o motor do filme. Tetro traz bastantes elementos da clássica trilogia O Poderoso Chefão: uma família ítalo-americana; um protagonista em desajuste com a figura paterna; um jovem em busca de revelações. No entanto, não é a ganância nem o poder que correm nas veias da família Tetrocini, e sim a arte, ao mesmo tempo bela e egoísta.

Buenos Aires, bairro da Boca, dias atuais. Na semana de seu 18º aniversário, o jovem Benjamin (vivido pelo estreante Alden Ehrenreich) chega ao país em busca do irmão mais velho Angelo e de respostas para sua própria história.

Com os laços familiares completamente cortados, Angelo não existe mais. Em seu lugar, quem assume a personalidade é Tetro (o enigmático Vincent Gallo), um homem atormentado por uma obra literária que não consegue acabar. Tudo por causa do pai, Carlo (Klaus Maria Brandauer), um maestro ególatra. A frase " apenas um gênio na família" e demais ações sufocantes e humilhantes do pai remóem Tetro em lembranças e sofrimentos, mesmo com ele vivendo de forma ativa ao lado da médica Miranda (Maribel Verdú) e dos amigos do boêmio bairro onde atua como iluminador em pequenos teatros.

Foto: Fernando Silveira/FAAP

"Filmar não deve ser um sacrifício, e sim um encorajamento para novas ideias", diz Coppola

Mais uma vez, o filme bate a porta do diretor. "Sofia um dia me disse que queria pintar, escrever e ser fotógrafa de moda. Eu disse para ela que não precisava se concentrar em uma coisa, que deveria fazer todo tipo de arte que pudesse, mesmo se não fizesse sentido. Alguns anos depois ela disse que queria fazer seu primeiro filme", fala o orgulhoso pai.

Além da diretora de Encontros e Desencontros e Um lugar qualquer, a esposa Eleanor e filho Roman também estão no ramo, ao qual o gênio da família chama de 'circo' - a mulher dirigiu Hearts of Darkness - A filmmaker's Apocalypse - um documentário sobre a obra-prima do marido - e o caçula faz a segunda direção de vários filmes do pai. "Dei uma câmera para Eleanor como uma maneira de deixá-los perto de mim".

Arte total

Esse amor à arte e à família é mostrado de maneira visceral pela fotografia em preto e branco que domina mais de 90% da nova película. "Fiz assim por que eu acho muito bonito. Não é apenas uma ausência de cor, mas também uma metáfora para expressar as cores com luzes e sombras".

Foto: Divulgação

O maestro Carlo com o jovem Tetro: cores para marcar as lembranças

Os planos se entrelaçam numa gramática complexa, porém de fácil compreensão. Enquanto a realidade é apresentada na escala de cinzas, memória e arte explodem em cores na tela. O diretor conduz com maestria essa intercalação, utilizando cenas de dança, teatro, ópera e vídeo com filtros de variadas matizes.

Outra motivação para essa opção e pela escolha da Argentina como cenário é a homenagem ao universo do realismo fantástico praticado na literatura latino-americana, explica o diretor, citando os argentinos Júlio Cortázar, Jorge Luiz Borges, o chileno Roberto Bolaños e o brasileiro Jorge Amado como fontes dessa inspiração.

Dessa escola vem também a personagem Alone (Carmen Maura), uma crítica de arte que ganha relevância no final do filme. Aliás, é justamente dessa parte em diante que o filme recebeu reprimendas da crítica especializada. Coisa que o gênio em questão não parece se importar. "Aos 71 anos, tenho a liberdade de um jovem graças a minha indústria de vinhos, podendo fazer o filme que quiser, contanto que tenha baixo orçamento (...) Não faço filmes pelo dinheiro, nem para ficar famoso, faço para aprender sobre mim", finaliza o diretor, com a humildade digna dos grandes artistas.

Atualizado em 6 Set 2011.