Guia da Semana

Fotos: arquivo pessoal/ Jeferson De

Jeferson De e Caio Blat nas gravações de Bróder

De garoto da periferia de Taubaté (SP) a grande vencedor da 38ª Edição do Festival de Cinema de Gramado. Para chegar até aqui, Jéferson De sofreu os preconceitos e as privações que a maioria da população pobre e negra passa, enquanto luta desigualmente por uma oportunidade. Após emplacar na direção de curtas como Distraída para a Morte e Carolina, entrou num projeto que conta muito da sua experiência de vida, narrando como três amigos de infância de uma favela podem tomar rumos diferentes. O público aprovou e Bróder ganhou o prêmio da crítica de Melhor Longa em Paulínia, além de cinco estatuetas em Gramado - incluindo nas categorias de melhor filme, ator e diretor.
Com Caio Blat, Cássia Kiss, Silvio Guindane e Jonathan Haagensen no elenco, a película gravada em Capão Redondo, que fica na zona sul paulistana, contou com a colaboração de Ferrez e tem sua estreia nacional prevista para novembro. Nesta entrevista, o diretor ainda se diz vítima de preconceito, mas encontra meios para creditar em sua narrativa bons ingredientes na conquista de uma vaga entre os indicados ao Oscar 2011.

Guia da Semana: Embora tenha entrado em cima da hora como concorrente em Gramado, Bróder levou os principais prêmios do festival: diretor, ator e filme. Como foi essa trajetória?
Jeferson De:
A última vez que tinha ido a Gramado foi com o curta Carolina e acabei ganhando por melhor filme. A gente tinha sido convidado para abrir o festival, o que para mim é uma honra, pois foi onde comecei minha carreira, com Distraída para a Morte (2001). Era um diretor de longa estreante abrindo o festival, a exibição foi maravilhosa, tanto que, quando começou a exibição, comecei a chorar. Cássia Kiss, quando foi apresentar o filme, fez praticamente uma declaração de amor ao cinema, ao Bróder, demonstrando toda a sua emoção.

No final do Festival, sair de lá com os três principais prêmios foi um incentivo fundamental. O [prêmio] de melhor ator ao Caio Blat foi uma homenagem que o cinema fez a ele, reconhecendo o trabalho e os filmes que ele vem fazendo. O de melhor diretor é inédito para mim; e o prêmio de melhor filme, um extremo reconhecimento ao trabalho em conjunto, ao fato de historicamente a gente estar em um momento muito importante na nossa cinematografia.

Guia da Semana: Que momento é esse?
Jeferson:
Começou praticamente em 2000, com Cidade de Deus, apresentando muitos atores negros na frente da câmera. Achei legal, porque é uma forma de celebrar o cinema com a diversidade, com um negro dirigindo um filme. Acho que, mais do que nunca, o Brasil provou sua diversidade.

Guia da Semana: Seu filme usa a temática da periferia e foi dirigido por um cidadão negro, que viveu com esses dilemas sociais...
(Jeferson, interrompendo):
Quando fui fazer o filme, quis estar perto de pessoas que já conhecia. Nasci na periferia de Taubaté, interior de São Paulo, e quando vim estudar cinema em São Paulo [capital] fiz amizade na periferia da zona sul. Há mais de 10 anos sou um assíduo frequentador do Sarau da Cooperifa, ouvindo Racionais MC´s, lendo livro do Ferrez e estando junto da ONG Capão Cidadão. Quando tivemos acesso ao dinheiro para as gravações, decidi distribuí-lo entre amigos, pessoal que foi segurança, que pintou casa, muitas vezes almoçamos lá também. Alugamos até alguns imóveis, para que pudessem acolher nossa produção. Eu me senti bem, tenho isso até no meu blog; várias fotos de chinelo, calção, dirigindo meu filme. O filme foi rodado completamente em casa, nenhum ator teve segurança para andar por lá. Ao contrário, fizemos essa inserção e o momento mais importante foi quando o Caio Blat se mudou para o Capão Redondo, quando começamos a filmar.


Cássia Kiss interpreta dona Sônia

Guia da Semana: Como foi lidar com os preconceitos, considerando essa sua origem humilde?
Jeferson:
Às vezes, não precisa nem ser negra, mas só por ser da periferia, a pessoa sofre uma série de restrições e preconceito. Comigo não foi diferente. Na minha testa não está escrito "diretor de cinema premiado", então, nenhum segurança de banco, policial ou madame da Oscar Freire sabe disso. Sofro como qualquer outra pessoa; diferente se fosse jogador de futebol, cantor de pagode, músico famoso ou um ator da televisão, como Lázaro Ramos. Para mim, que escrevo e dirijo as histórias, isso é fundamental; porque quando vou fazer filmes, boa parte disso transparece - embora ache que a arte está bem acima disso, muito acima das nossas relações cotidianas, ela [a arte] supõe muita sensibilidade e apuro técnico. Sofri e sofro, mas isso é típico de um país preconceituoso e machista. O Brasil ainda tem esses problemas, mas isso só se vence com educação em um nível geral, tanto pobre como rico.

Guia da Semana: Essa vivência ajudou na composição dos personagens e no enriquecimento da história?
Jeferson:
Acho que os primeiros filmes sempre estão ligados ao que você conhece. Na hora de fazer, falei dos meus amigos, das coisas que conheço e que conviveram no meu cotidiano. Um exemplo que dou é a dona Sônia do filme, personagem vivido pela Cássia Kiss, que tem o mesmo nome da minha mãe. Não tive vergonha de me expor e utilizei isso para fazer uma obra maior.

Guia da Semana: Como foi a escolha do elenco?
Jeferson:
Pra mim, foi um privilégio enorme contar com esse elenco. Cássia Kiss, Jonathan Haagensen, Caio Blat, Sílvio Guindane, Zezé Mota e Ailton Graça foram incríveis. Aliado a isso, temos uma trilha sonora impecável, com: Racionais MC´s, Lucas Santtana, Emicida, Baden Powell, quer dizer, essa premiação de Gramado foi uma coroação de um trabalho e eu tive o privilégio de reunir essas pessoas.

Guia da Semana: Qual a principal mensagem da película para o público?
Jeferson:
O filme é sobre família e amizade. O nome já diz tudo e, se eu pudesse escolher um outro, seria 'A Irmandade', mas com esse nome pareceria filme de terror (risos). É um nome que, tanto uma pessoa de 60 anos como um menino de 7 sabem o significado, inclusive os americanos. Fico muito feliz com isso e ansioso porque a estreia só acontece em novembro.


Em Gramado, onde o filme foi premiado cinco vezes

Guia da Semana: Cidade de Deus é um filme referência para o gênero. Como você vê o papel do Bróder e até mesmo de 5x Favela para a continuação do debate dessa temática?
Jeferson:
Desde que comecei a fazer cinema, o filme mais importante que paguei ingresso foi Cidade de Deus, que mais me impressionou; [é] tecnicamente mais bem resolvido e, ao mesmo tempo,dá possibilidades enormes para jovens negros dos centros urbanos. Fiquei muito chocado com esse filme e Bróder é uma alternativa para me livrar dessa influência de Cidade de Deus, porque me sinto meio "filho" dele. Há pouco tempo, foi publicado no Estadão [jornal O Estado de S. Paulo] que a minha relação com o filme é freudiana, mas é mais edipiana. Quero matar meu pai ( Cidade de Deus) e casar com minha mãe (o cinema).

Guia da Semana: O longa tinha previsão de estreia no primeiro semestre, mas acabou adiado para o segundo duas vezes. Quando irá sair e quais foram os motivos do adiamento?
Jeferson:
A última pessoa que você deveria perguntar isso é para o diretor de cinema, porque em geral ele nunca sabe (risos). Gostaria que tivesse estreado há muito tempo, mas ao mesmo tempo, fico muito feliz por ele não ter estreado; porque aconteceram muitas coisas boas nesse meio-tempo. Fui ao Festival de Berlin; a revista americana Variety comentou meu trabalho; fomos a Paulínia e, entre os prêmios recebidos, conseguimos o da crítica; agora Gramado, que veio coroar todo um trabalho, e que também nos coloca em posição de pleitear a indicação brasileira ao Oscar.

Guia da Semana: Quais os adjetivos que podem levar o filme à indicação?
Jeferson:
Mês que vem o Brasil escolhe o filme pra concorrer ao Oscar e acho que Bróder tem todas as credenciais para essa indicação: um elenco maravilhoso, uma visibilidade internacional e foi premiado nos dois grandes festivais nacionais (Paulínia e Gramado). Eu acho que o Brasil está passando por uma mudança linda e maravilhosa de novos talentos, se Bróder for escolhido serei mais um torcedor, com certeza o número zero.

Guia da Semana: Então, de certa forma esse adiamento ajudou?
Jeferson:
Exatamente! Não foi nada combinado, mas apareceu. Meu ego é enorme e é lógico que eu gostaria de participar (do Oscar). Meu filme é patrocinado por empresas americanas, como Columbia, Sony, e nada melhor do que isso para fazer uma campanha nos EUA.

Confira também a entrevista com Caio Blat, que comenta sobre o filme

Atualizado em 10 Abr 2012.