Arthut Rimbaud (1854 - 1891) |
Adormecido no Vale
É um vão de verdura onde um riacho canta
A espalhar pelas ervas farrapos de prata
Como se delirasse, e o sol da montanha
Num espumar de raios seu clarão desata.
Jovem soldado, boca aberta, a testa nua,
Banhando a nuca em frescas águas azuis,
Dorme estendido e ali sobre a relva flutua,
Frágil, no leito verde onde chove luz.
Com os pés entre os lírios, sorri mansamente
Como sorri no sono um menino doente.
Embala-o, natureza, aquece-o, ele tem frio.
E já não sente o odor das flores, o macio
Da relva. Adormecido, a mão sobre o peito,
Tem dois furos vermelhos do lado direito.
Um pouco de poesia não faz mal, certo? Na realidade, é impossível falar de um cinema sobre Rimbaud sem falar sobre a sua poesia ou, pelo menos, sem citar uma delas para que vocês possam, no caso daqueles que não o conhecem ainda, se esbaldar mesmo que minimamente neste primeiro contato com a genialidade deste poeta maldito, que antecipou e ultrapassou o imaginário parnasiano e simbolista da época.
"O poeta faz-se vidente através de um longo, imenso e sensato desregramento de todos os sentidos". |
Na França, nesta época - século XIX, meados de 1850 -, o simbolismo surgia como a renovação, a revolução da literatura francesa. Era o surgimento do espírito moderno. Isso não quer dizer que houve uma quebra taxativa com o realismo de Zola ou, anteriormente ainda, com o romantismo de Hugo, Lamartine, etc. Houve a necessidade de se construir algo novo, uma nova tradição, autores desconhecidos e rejeitados por não se fazerem entender em sua arte. Ou seja, não eram aceitos pelo sistema literário francês. Quando digo sistema me refiro ao nicho literário burguês da época e, justamente por isso, os representantes desse simbolismo eram chamados de " poetas malditos". Imaginem agora a chegada nessa sociedade deste adolescente de 16 anos, chamado Jean Nicolas Arthur Rimbaud (nascido na França, em 20 de Outubro de 1854 em Charleville), utilizando as palavras de forma livre e moderna, até profana, fazendo com que todos entrassem em choque com suas crenças. Qual reação era cabível? Uma revolução estava anunciada: a revolução de Rimbaud, que influenciaria diversos artistas das mais variadas vertentes artísticas com seu verso livre, sua ideologia centrada no ponto onde o autor não teria controle da obra que cria. Isso vem de dentro, do obscuro, do profano, das profundezas do "eu", algo totalmente inconsciente, que podemos chamar de " outro". Daí a famosa frase de Rimbaud: "O eu é um outro".
Rimbaud era amoral, errante, um jovem adolescente com comportamento conturbado, que confesso, me fez levar e tomar certas atitudes sob uma influência muito grande do seu "eu", mas isso é outro assunto.
Estudiosos deste poeta sempre disseram não acreditar que ele teria imaginado que a sua arte influenciaria tão imensamente artistas das mais diversas vertentes em épocas posteriores a sua, partindo da música, onde a banda de rock The Doors e seu vocalista Jim Morrison se diziam hipnotizados pela poesia de Rimbaud, passando pela literatura, onde podemos citar Artaud, Bataille e Fernando, chegando ao cinema e a Holland.
"Eu escrevia silêncios, noites, anotava o inexprimível. Fixava vertigens". |
A diretora Agnieszka Holland (1948) é polonesa, fruto de um relacionamento entre um pai judeu e uma mãe católica, o que nos demonstra, na realidade, uma clara vontade de se superar literariamente, supondo que para realizar um filme sobre Arthur Rimbaud, ela deve, em algum momento de sua vida, ter sido capturada pela arte do poeta francês, o que claramente a colocava em choque com as duas religiões. Em seu cúrriculo temos filmes como O Jardim Secreto ou o mais recente O Segredo de Beethoven.
Eclipse de uma Paixão começa nos situando à margem da história de Rimbaud e Verlaine - e ao início da projeção, uma das falas escritas por Christopher Hampton para a personagem de Verlaine surge com intenso poder: "Alma maravilhosa. Junte-se à nós. Você será bem-vindo".
Este começo, poderoso e vivo, diga-se de passagem, anuncia que algo no mínimo interessante está por vir. Já adianto que ao final da experiência, o gosto do absinto proposto em diversas cenas do filme, acaba perdendo seu peculiar sabor, pois diferentemente da bebida e de seu incrível teor alcoólico de mais de 90%, o filme perde força com o passar dos plots, resultando em um leve gosto, alcoólico ainda, mas longe da libertação provocada pela bebida dos poetas. Culpa do roteiro irregular, com primeiro e segundo atos ótimos, mas um terceiro completamente perdido, além de erros da diretora no campo das construções das personagens e na direção dos atores. Méritos das atuações, principalmente Leonardo DiCaprio e da parte técnica.
Fotos: Divulgação Quem é o colunista:: Felipe Camargo Adami.
O que faz: ator, roteirista e diretor de cinema.
Pecado gastronômico: são tantos, mas com certeza fast food é o pior deles. Grande pecado, certo?
Melhor lugar do Brasil: cinema, pode? se for um bom filme, melhor ainda. Um lugar: Itacaré. Lindo demais... uma paz.
Fale com ele: [email protected]
Atualizado em 6 Set 2011.