
Eu me lembro do meu pai, diretor de teatro, durante a Ditadura Militar, me falando sobre o grupo Dzi Croquettes. Ele elogiava e lamentava por saber que não existiria nada igual novamente. E ele estava certo. Muito tempo se passou para eu entender as manifestações artísticas que me rodeavam e que aquilo tudo existia para ser apreciado. Está em cartaz nos cinemas o documentário Dzi Croquettes para confirmar tudo o que eu já havia ouvido falar sobre o lendário grupo de homens que dançavam travestidos de mulher.
Revolucionários. Esta é a palavra que definia a trupe. Imagine treze homens peludos, subindo ao palco de vestidinhos, purpurinas, cílios postiços e salto alto? Adicione o fato de que se tratava de uma época de Regime Militar. Pronto, está aí a receita para escandalizar e, ao mesmo tempo, se tornar um dos maiores símbolos da contra cultura brasileira.
Confesso que me assustei quando descobri que quem dirigiu o documentário era uma atriz global, que estampava uma das Playboys favoritas do meu irmão. Subestimei. A verdade é que fiquei surpreendida com a direção de Tatiana Issa e só depois entendi que ela mergulhou na história da polêmica companhia por ter feito, indiretamente, parte dela. A atriz é filha de Américo Issa, que foi cenógrafo do grupo. E é por esta razão que o documentário é rico em material de arquivo, incluindo uma filmagem que uma rede de televisão alemã fez dos Dzi em meados dos anos 80.
Co-dirigido por Raphael Alvarez, a produção traz depoimentos importantíssimos sobre a história dos treze dançarinos e, no entanto, outros que poderiam ser facilmente descartados. Apesar da riqueza de conteúdo, o documentário escorrega em alguns momentos. Tatiana e Alvarez exploram, em excesso, os depoimentos recortados, ou seja, um entrevistado fala e o outro termina a mesma frase. Atributo dinâmico, é verdade, mas que devia ser bem utilizado para não criar no espectador justamente o contrário: cansaço.
Além disso, é desnecessário que a diretora pergunte aos entrevistados se todos eles se lembram dela, pequenina, loira de olhos claros, correndo pelo backstage. Isto porque o documentário se inicia com uma narração em primeira pessoa, explicando para o espectador desavisado, como eu, que não conhecia a relação de Tatiana com o grupo.
Apesar disso, há também muito a se elogiar. O documentário vem provar algo que todos nós já sabemos: o Dzi Croquettes era mesmo genial. E, embora tenha feito muito sucesso num país que sofria com a forte repressão do Regime Militar, caiu no esquecimento. Mesmo assim, deixou seu legado para diretores que se inspiram nele até hoje como Miguel Falabella e Jorge Fernando. Vale ressaltar também que a palavra "tiete" vem da trupe e, além disso, muitas palavras que hoje integram o vocabulário gay.
Entre sucesso mundial, purpurina, brigas, AIDS e um fim triste para o grupo, o documentário não emociona só pela grande carga pessoal que Tatiana e Alvarez descarregam, mas também graças aos questionamentos que surgem após conhecermos todos os motivos que, lentamente, levaram o Dzi Croquettes ao fim. Após a exibição, fica em mente o registro da história do irreverente grupo de palhacinhos, como Tatiana os chamava, ou como eles mesmos se definiam: "Nem homem, nem mulher: gente".

O que faz: Jornalista.
Pecado Gastronômico: Spaghetti ao molho de gorgonzola do Café Girundino.
Melhor Lugar do Mundo: Qualquer lugar com os amigos.
O que está ouvindo em seu iPod, mp3, carro: Desde música brasileira com Paulinho Moska e Zeca Baleiro, passando pelo rock alternativo de bandas como Franz Ferdinand, até as músicas "fofas" de She & Him.
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Atualizado em 10 Abr 2012.