Guia da Semana



Minha admiração pelo diretor Steven Spielberg ganhou contornos muito mais sérios e profundos depois que me foi revelada a ligação entre três filmes recentes do diretor. Obras que, em princípio, nada têm em comum e que se revelam interligadas diretamente, formando uma trilogia contundente e dissecadora de um trauma recente na vida de uma nação e na história da civilização contemporânea: os atentados de 11 de setembro de 2001.

O Terminal, Guerra dos Mundos e Munique formam uma trilogia sobre o mundo pós-11 de setembro. Mas como três filmes completamente diferentes entre si podem ter alguma relação e que abordam um tema tão delicado quanto os atentados de 11/9. Para entender como isso é possível, vamos a uma análise mais detalhada de cada um deles.

O Terminal: primeiro filme da suposta trilogia trata de um imigrante que ao chegar aos Estados Unidos se vê proibido de entrar no país. Sem possibilidades financeiras, além da burocracia de retornar a seu país, é obrigado a permanecer indefinidamente no terminal do aeroporto, uma espécie de limbo entre a "terra das oportunidades" e seu próprio e modesto mundo. Dentro desse espaço, vemos surgir aos poucos um micro-cosmos representativo da sociedade norte-americana e da problemática do imigrante. Há o poder constituído que primeiro barra e depois fecha os olhos ao problema, o preconceito xenófobo, a dificuldade de integração e interação, o esforço do imigrante em sobreviver ao ambiente hostil, além das barreiras culturais, que vão do idioma aos costumes. Porém, o que mais se destaca é um endurecimento e uma forte mudança no trato ao estrangeiro. E isso como efeito direto do trauma pós-11 de setembro, quando se passa a olhar com profunda desconfiança a qualquer estrangeiro que tenta entrar no país. É através desse drama cômico que Spielberg expõe a reação paranóica contra estrangeiros que tomou conta do país após os atentados.

Guerra dos Mudos: o que parece apenas uma nova adaptação para o cinema do clássico de ficção científica de George Orwell, serve perfeitamente como parte de uma trilogia que busca mostrar o espanto do terror diante do impensável. Mas o filme se mostra muito mais sutil e de duplo significado do que parece num primeiro momento. É que o imperativo em Guerra dos Mundos é o horror absoluto diante de um ataque de um inimigo desconhecido, sua devastação irreparável e seu domínio imensamente superior. Horror que trás dois lados, duas perspectivas diferentes, mas pertencentes a uma mesma unidade factual: o terror estupefato do inimaginável acontecendo diante de seus olhos (o mesmo que se sentiu diante da queda das torres gêmeas) e o terror da fragilidade ante um poderio bélico incomparável e insuperável (o mesmo que devem ter sentido as populações do Afeganistão e do Iraque quando invadidos). Mas em qualquer dos dois ângulos o que prevalece é o pesadelo da certeza de impotência diante dos fatos e de uma nova e assustadora realidade.

Munique: o último e melhor filme da trilogia vence os demais em complexidade e adensamento reflexivo. O filme parte da dissecação e expurgo de um fato real e crítico que mancha a história do estado de Israel. Trata-se do que ficou conhecido como operação Ira de Deus, uma ação ultra-secreta do Mossad, o serviço secreto israelense, autorizada pela então primeira-ministra de Israel, Golda Meir. A operação consistia em caçar e assassinar uma lista de nomes supostamente ligados ao grupo terrorista Setembro Negro, que nas Olimpíadas de Munique de 1972, sequestrou e executou nove atletas israelenses. A questão levantada no filme é o papel do Estado como instrumento de vingança e a política belicista do revide a qualquer preço. Esta distorção nas atribuições e o descarte de qualquer meio político-diplomático para a busca e punição de culpados remete imediatamente à política Bush pós-11 de setembro e sua sanha em "vingar", com seu vasto poderio bélico, os atentados sofridos pelos Estados Unidos. Contudo, é através da desconstrução da figura do herói vingador e sua derrocada dentro da própria consciência, que Spielberg dá o golpe final em sua análise crítica dos efeitos e equívocos nocivos, germinados - como frutos podres - dos acontecimentos de 11 de setembro de 2001.

Três filmes díspares (uma comédia humana, uma desventura catástrofe e uma tragédia grega moderna), diferentes em tudo, mas sutilmente alinhavados pelas consequências de um mal maior que gera outro mal maior e a dissecação sorrateira dos mecanismos que azeitam o mal dentro do humano e o humano dentro do mal.

Quem é o colunista: gordo, ranzinza e de óculos.

O que faz: blogueiro, escritor e metido a crítico de cinema.

Pecado gastronômico: massas.

Melhor lugar do Brasil: qualquer lugar onde estejam meus livros, meus filmes, minhas músicas, meus amigos e minha namorada.

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Atualizado em 6 Set 2011.