Guia da Semana

Gabriel Oliveira


Seja nos romances ou no cinema, o mexicano Guillermo Arriaga busca simplesmente narrar. Autor de roteiros bem-sucedidos em Hollywood, como Babel, 21 Gramas e Três Enterros, e de romances como O Búfalo da Noite e Esquadrão Guilhotina, Arriaga fala ao Guia da Semana de suas experiências no cinema e na literatura.

Guia da Semana: Em entrevista, você disse que o livro é o momento mais alto da civilização humana. Seria o livro, na sua opinião, mais profundo que o cinema?
Guillermo Arriaga: Eu acredito que (pega um livro e começa a folhear) é um objeto perfeito. Você lê a seu próprio ritmo, você pode dobrar, sublinhar, é perfeito. Já o filme avança a seu próprio ritmo. Por mais que você possa voltá-lo ou adiantá-lo, você não pode levar o filme para onde você queira.
Este (livro) é um objeto perfeito da cultura, porque se submete a sua própria vida e vai refletindo as imagens que você quiser. O cinema oferece as imagens que o diretor, o fotógrafo e os atores querem dar. Não quero diminuir o cinema, me parece muito importante o cinema, mas me fica parecendo o livro como o ponto mais alto da civilização.

GDS: Como trazer para o cinema a profundidade de um grande livro?
GA: Acredito que a adaptação de um livro para o cinema é sumamente difícil, porque os livros têm muitas dimensões e você pode levar sua imaginação aonde quiser. Em Esquadrão Guilhotina, há muita gente decapitada e você imaginar a cena. Isso exibido no cinema para impressionar pode chocar as pessoas e levar o ato da morte ao lugar que queiram. Na sua cabeça pode ser longe ou perto.
Então, essa é a dificuldade de adaptar a profundidade de um livro, porque o livro tem muitas dimensões e o cinema, apenas uma. Cada leitor tem uma imaginação distinta do momento da morte, ou, por exemplo, o sexo. Em O Búfalo da Noite, meu romance, tem uma imagem em que uma mulher urina sobre um homem depois de fazer amor. Mas, no cinema, as pessoas as pessoas faziam AAAAHH!! e no livro não perturba. As pessoas estavam em choque quando viam as imagens. Então essa é a virtude do livro. Cada um pode dar sua própria leitura.

GDS: No festival de Cannes em 2005, Três Enterros foi eleito o melhor roteiro. Você o considera o seu roteiro mais bem-sucedido?
GA: Tenho um carinho enorme por Três Enterros. Se você me perguntasse dos filmes que não dirigi qual dirigiria, dirigiria Amores Brutos e os Três Enterros. São as duas obras que mais gostaria de ter dirigido. Gosto de Três Enterros porque de algo tão difícil como a morte, tira-se um pouco de sentido de humor e porque dignifica a vida de todo o indivíduo. Não há indivíduo pequeno, toda morte pesa na alma. Os Três Enterros tratam demonstrar que pode ser que uma sociedade não se importe com uma pessoa que mataram, mas há quem realmente se importe com ela, e isso dá significado profundo a essa morte.

GDS: Como você avalia o trabalho de diretores brasileiros em Hollywood, como Fernando Meirelles e Walter Salles?
GA: Eu admiro os dois diretores. Walter é meu amigo e o respeito muito. Acredito que é um grande diretor. Gosto muito de Diários de Motocicleta. Penso também que é um grande ser humano, uma grande pessoa. Encantador, muito bacana.
O Fernando também conheço. É um diretor com uma visão interessante. Eu acredito que Cidade de Deus é um dos melhores filmes do mundo. Ademais, Bráulio Mantovani é um roteirista brilhante e Daniel Rezende é um editor muito interessante. Walter Carvalho é um diretor de fotografia muito talentoso, também o diretor Karim (Karim Aïnouz), de Madame Satã.

GDS: Como conciliar essas atividades: roteirista, diretor, a produção literária, além da função de pai?
GA: O mais importante é ser pai. Tudo o mais é superficial. Se eu ganho Oscar, Cannes, Nobel, ou qualquer outro prêmio, mas meus filhos são infelizes, não valeu a pena. Minha função é ser o melhor pai do mundo. Todo o mais vem depois. Há casos de escritores que sacrificam tudo por seus livros e, logo, seus filhos são um desastre. Eu acredito que meus filhos são felizes. Acredito que minha mulher é feliz e para isso trabalho, para isso escrevo. Acredito que a pergunta "entre a arte e a vida, qual prefere?", acredito que sempre se deve apostar na vida. De resto, eu sempre admirei os renascentistas que faziam muitas coisas.

Vivemos num mundo das especializações e eu acredito que as especializações rompem o ser humano. Eu não quero ser um especialista. Eu quero ser um contador de histórias. Eu gosto de contar histórias, tanto como diretor, tanto como roteirista, tanto como romancista, seja o que for, não importa. Eu escrevo para teatro, rádio, televisão. Dirijo documentários, dirijo curtas e agora um longa-metragem. Então, isso é que é o interessante da vida.

GDS: Há um artista do Brasil, chamado Mauricio de Sousa, que escreve historias em quadrinhos. Seus personagens são inspirados em seus filhos. Seus filhos já o inspiraram alguma vez para compor algum personagem? Um amigo?
GA: Sim, com certeza. Os nomes de meus filhos, minha mulher, meu pai e minha mãe estão na minha obra. Se você assistiu a 21 Gramas, o personagem se chama Jack, que é Santiago, e Marian, que é Mariana, minha filha. Em Babel, Amélia é o nome de minha mãe, Santiago Sobrino é o nome do meu filho, Patrícia é o nome de minha irmã. Há coisas de meus filhos, de minha mulher que estão aí. Só escrevo o que vivi, o que conheço de perto. Por isso não escrevo idéias dos outros.

Colaboração: Bruno Martins

Atualizado em 6 Set 2011.