Guia da Semana

Foto: Gabriel Oliveira
O diretor Reinaldo Pinheiro em sua produtora, a Sequência 1.

Depois de uma palestra que deu a um grupo de atores que montava uma peça infantil de Vladimir Capella, a psicanalista Miriam Chnaiderman pegou por engano a pasta de Gabriel Pinheiro, idêntica à sua. Ao chegar em casa, percebeu o equívoco ao ver o texto de Nossa Vida Não Vale um Chevrolet, que o ator estava ensaiando. Quando o marido de Miriam, o cineasta Reinaldo Pinheiro, viu o nome, se encantou, e leu a história em apenas 20 minutos. Foi o suficiente para decidir que aquilo iria se tornar seu primeiro longa-metragem.

Convencer o autor, Mário Bortolotto, a vender os direitos para o cinema nem foi tão difícil, apesar da fama de ciumento do dramaturgo. Porém, três semanas antes do início das filmagens, o advogado da produtora achou melhor procurar a Chevrolet para pedir uma autorização sobre o uso do nome. Reinaldo entrou em contato com a a empresa e se surpreendeu com a resposta, o nome não poderia ser usado. Uma segunda reunião foi marcada, mas parecia que o filme não teria futuro. "Eu já percebi pelo clima da reunião que não ia dar em nada, eles estavam muito inflexíveis", diz o diretor.

O cúmulo foi quando um executivo da montadora sugeriu trocar por Nossa Vida Não Vale um Volkswagen. "Isto me deu uma sobrecarga de energia. Da General Motors, na República do Líbano, até aqui [Higienópolis], eu criei um novo nome para o filme". Nossa Vida Não Cabe Num Opala pegou, e foi aceito, já que se trata de um produto já fora de linha. Faltando três dias para as filmagens, o longa tinha novamente um título. Porém, esta não foi a única e nem a maior polêmica da produção.

Milhem Cortaz, Gabriel Pinheiro, Leonardo Medeiros, Paulo César Pereio e Maria Manoella em Nossa Vida Não Cabe Num Opala.

Quando Mário Bortolotto viu o roteiro que Di Moretti fez, baseado em sua peça, não pôde se segurar. "Era horrível, constrangedor, o texto dele era muito ruim", afirma o dramaturgo, que por isso fez questão de participar da montagem. Reinaldo revela que Moretti "mudou radicalmente alguns personagens e introduziu coisas novas, mas não foi isso que incomodou o Mário, foi a questão das piadinhas do Di, alguns avanços que ele fez em relação às falas, mas que acabou saindo tudo depois, na montagem". Questionado sobre os personagens do filme, o autor é enfático: "Eu desprezo isso solenemente".

A polêmica aumentou quando Bortolotto disse o que pensava em seu blog. Logo, a imprensa já estava comentando e insinuando uma rixa pessoal entre o autor e o roteirista. "Eu nem conheço o cara, só não gosto do que ele fez no roteiro. Ele perdeu a chance de não mexer no meu texto", afirma o dramaturgo, que fez a primeira versão do roteiro. "É que o Mário não tem experiência de cinema, então é difícil entender que até a hora da montagem o filme não está pronto ainda", revela o diretor.

Cena de Nossa Vida Não Cabe Num Opala com Mário Bortolotto e Milhem Cortaz.

Para que o público possa tirar suas próprias conclusões, o espetáculo Nossa Vida Não Vale um Chevrolet reestreou em São Paulo. Na peça desde 2000, o ator Gabriel Pinheiro foi o único que manteve no filme o mesmo personagem que já havia feito. Sobre a atuação no cinema, ele revela que "tinha que mudar a linguagem, tinha um entendimento dos personagens e do universo do Mário, mas com certeza o processo criativo de construção do personagem só é diferente [da peça] por conta desta linguagem".

Além de Gabriel, como Slide, o filme também aproveita o ator Milhem Cortaz, que também atuou na peça como Love, mas no cinema interpreta Lupa, originalmente feito pelo próprio Bortolotto. Sobre ter sugerido os atores, o dramaturgo nega, "eu não gosto de me meter no trabalho de outros diretores". Reinaldo Pinheiro admite que realmente não houve pressão. "Ele podia chegar e dizer ´quero isso, quero aquilo´, só que teve um respeito aí. Até em função desse respeito eu aproveitei algumas dicas que ele me deu".

Fernanda D´Umbra e Mário Bortolotto em Nossa Vida Não Vale um Chevrolet.

A autoria do texto e as dicas, principalmente nas montagens, não foram as únicas participações de Mário em Nossa Vida Não Cabe Num Opala. O autor faz uma rápida aparição em uma cena de bar, além de ter feito a trilha sonora. O tema principal foi adaptado de uma canção que ele havia composto em 1993, para uma das primeiras montagens, em Curitiba. Para o resto, foi feito um trabalho de seleção. "Eu me reuni com o maestro Amalfi e comecei a selecionar músicas de bandas de amigos meus". Isto, sempre acompanhado pelo diretor, que afirma que sempre recebia as músicas para aprovar ou não.

Mesmo com as dificuldades, Reinaldo não se cansa de elogiar o autor e não descarta a possibilidade de trabalharem juntos em nova adaptação. "Tem um especialmente que ele quer fazer e que eu também quero, que é o Mamãe Não Voltou do Supermercado. É Tarantino puro". Já Bortolotto está finalizando seu primeiro filme, baseado na peça Getsêmani, que filmou com apenas R$ 5 mil. A intenção não é distribuir comercialmente, apenas apresentar em festivais e para amigos, além da experiência. Mas já espera não ser visto com bons olhos. Quando fez a sua versão do roteiro de Nossa Vida Não Cabe Num Opala, afirma que nenhum cineasta aprovou. "Eles têm muito preconceito comigo, achavam que era muito teatro".

Atualizado em 6 Set 2011.