
Em outubro, pela primeira vez na história da Argentina, o povo escolheu uma mulher para a presidência do país. Cristina Fernández de Kirchner, esposa do atual presidente Néstor Kirchner, obteve a vitória em primeiro turno sobre outra candidata do sexo feminino, Elisa Carrió.
Assim como na política, as mulheres têm ganhado espaço em outros setores da sociedade argentina. E isso não é diferente no cinema. Na última década, foi crescente o número de mulheres trabalhando na indústria cinematográfica; desde postos como vestuaristas até diretoras.
Uma das cineastas argentinas que mais obteve destaque nos últimos anos é Lucrecia Martel. A diretora e roteirista conquistou o reconhecimento internacional após o lançamento de seu primeiro longa-metragem, O Pântano, que estreou no Brasil em 2003. O filme obteve uma gloriosa recepção na França e ganhou o prêmio Alfred Bauer no Festival de Berlim em 2001. Após sete anos desde a sua finalização, O Pântano ainda é uma das obras mais representativas realizadas por uma argentina.

O encontro entre essas duas mulheres se dá porque Mecha, ao caminhar bêbada perto da piscina, cai em cima dos copos que trazia em suas mãos e se corta. Apesar de não ter muitos assuntos em comum com sua prima, Tali vai com sua família a visitar a chácara de Mecha.
A propriedade fica incrustada nos pés das montanhas. O casarão no qual vive a família é deteriorado e a piscina parece um pântano de tão suja. Os dias são calorosos e chuvosos. Os personagens parecem perder sua humanidade e voltar a fazer parte da natureza densa e crua do lugar.
Em sua maior parte do tempo, as pessoas estão deitadas, amontoadas, olhando para o teto. E apesar da aparência de andar em círculo, de lentidão, a atmosfera está carregada de suspense e tensão. Isso se dá em cenas como as que os filhos de Mecha saem para caçar com escopetas; ou então, em momentos nos quais fica implícita a tensão sexual entre os personagens.

E mais do que falar sobre duas famílias, O Pântano, constantemente faz referência às diferenças, sejam elas sociais, raciais e até mesmo sexuais. A busca por interesses é constantemente retratada no filme. Apesar da família de Mecha não ser rica, o fato de possuir uma piscina suja e bebida à vontade (apesar de que geralmente se bebe um vinho que se assemelha a sangue), atrai muitos parasitas do povoado.
Nesse aspecto, o filme está diretamente ligado ao momento cruel que a Argentina estava passando naquela época. E parte do prestígio internacional que O Pântano obteve se deve ao interesse que a crise argentina suscitava no começo da década.
Mas isso não faz a obra menos merecedora dos elogios feitos pela crítica especializada. Com uma narrativa pouco convencional, profunda, minuciosa e um elenco impecável, o filme é uma das boas surpresas do novo cinema latino-americano.
Assim como o roteiro de O Pântano aborda distintas formas de diferenças sócio-econômicas, a sua própria realização rompeu com os esquemas estabelecidos. Em meio às mudanças ocorridas no cinema argentino na década de 90 - como a massa de alunos formados pelas faculdades de cinema, o nascimento de importantes produtoras nacionais - está o aumento de filmes dirigidos por mulheres. Impulsionada por essa tendência, Lucrecia se consolida como uma das cineastas que fortalece a presença feminina da indústria do cinema. Entre outros fatores, O Pântano abriu portas para filmes como El juego de la Silla, de Ana Katz; Los Rubios, de Albertina Carri, e Ana y los Otros, de Celina Murga.
Fotos: Divulgação
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Atualizado em 6 Set 2011.