Guia da Semana

Poucas nações entendem tanto de política quanto os italianos. Depois de Nanni Moretti profetizar a renúncia do Papa Bento XVI com a comédia “Habemus Papam” em 2011 (um filme mais sobre a instituição do que sobre a religião em si), Roberto Andò traz ao público uma reflexão sobre o quê (ações ou discursos) se espera da política numa nação em plena crise econômica.

Toni Servillo faz valer o ingresso, interpretando dois papéis quase opostos em “Viva a Liberdade”. Um é Enrico Oliveri, um senador inseguro, muito criticado pelo partido e pelos eleitores por não assumir uma postura firme de “oposição” e aliar-se ao governo. O outro é Giovanni Ernani, irmão gêmeo de Enrico cujo verdadeiro nome não é revelado (esse é seu pseudônimo de escritor), deixando no ar aquela dúvida que sempre se levanta em filmes com personagens duplos. Giovanni é filósofo, muito persuasivo com palavras e poético nos gestos, mas tem sérios problemas psiquiátricos.

Quando a situação chega ao limite, Enrico faz as malas (ou melhor, uma maleta) e foge para Paris, tocando a campainha de uma velha amiga (Valeria Bruni Tedeschi). Enquanto isso, na Itália, seu assessor de imprensa (Valerio Mastandrea) e sua esposa (Michela Cescon) se descabelam para justificar sua ausência. E se ele não voltar?

A solução parece óbvia: Giovanni. O irmão gêmeo assume o papel de Enrico como se fosse uma brincadeira, mas logo ganha a simpatia dos repórteres, com suas frases polêmicas, e dos eleitores, com seus discursos inflados.

Enquanto as manchetes perseguem Giovanni, de um lado, o passado ronda Enrico do outro. Livre das obrigações do dia-a-dia, ele descobre-se mais parecido com o irmão do que imaginava e relembra o prazer de ser irresponsável. Por que ele voltaria?

Se Enrico trabalhava com seriedade e valorizava parcerias, mas fracassava em popularidade, Giovanni chama a atenção pela irreverência e pelas palavras enigmáticas, respondendo a todas as questões com novas perguntas, como um bom filósofo. O povo sente-se motivado pelo tom apaixonado de seus discursos, mesmo que eles jamais apontem para ações concretas.

É curioso que, em certo momento, um personagem compare a política ao cinema, justificando que ambos envolvem farsa e genialidade. Os dois elementos se encontram na figura de Giovanni, que age como um ator sem saber o que faz, mas causa impacto por sua genialidade, que não difere muito da loucura, ou de uma sinceridade sem filtros.

Como sugere o título, talvez a "doença" represente a única forma possível de liberdade, sem a prisão do bom senso e das palavras calculadas. Uma liberdade de pensamento, não de ação. Irônico e conveniente.

Assista se você:

- Gosta de comédias italianas
- Gosta de filmes sobre política
- Quer ver uma boa atuação

Não assista se você:

- Não gosta de filmes europeus
- Não gosta de comédias italianas
- Procura uma comédia mais despretensiosa

Por Juliana Varella

Atualizado em 13 Jul 2014.