Guia da Semana

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O trabalho com crianças pequenas envolve inúmeras peculiaridades, que desafiam tanto a escola quanto à família, que se fundem numa relação quase simbiótica. A escola não está mais em seu lugar seguro, de detentora de conhecimentos histórico, cultural e científico apenas. Passou também a ocupar um lugar maternal.

Com as crianças iniciando a vida escolar cada vez mais cedo, acontece uma mistura mágica: a transmissão de conhecimento com os cuidados de uma verdadeira mãe. E é com essa mistura que um trabalho maravilhoso acontece!

Novo nascimento

Mas este é um trabalho árduo, que já no seu início, apresenta uma importância fundamental. A entrada da criança na escola é um momento muito especial na vida de uma família e, como em todas as grandes coisas da vida, traz consigo muitas emoções. Por isso precisamos cuidar muito desse período. O cuidado é o mesmo daquele que temos quando vamos ter um neném: escolhemos um bom médico, que confiamos. Afinal, é para ele que iremos nos entregar na hora mais importante. Escolhemos um hospital acolhedor, pensamos nas roupas que iremos levar, em quem estará ao nosso lado...

Enfim, pensamos em todos os detalhes, os grandes e os pequenos, para que possamos desfrutar desse momento encantador. São esses cuidados que também nos ajudam a equacionar nossas emoções, frear as ansiedades, medos e florescer as alegrias.

Assim, a entrada da criança na escola é um novo nascimento. Por isso, muitas das emoções que vivenciamos quando nosso querido bebê vem ao mundo, voltam a aparecer. Novamente cuidamos com uma atenção toda especial os detalhes envolvidos. Escolhemos uma escola de confiança para entregar nosso filho. Compramos mochila e uniformes. Tiramos um período de férias para participar da fase de adaptação... E agora? O momento chegou: É hora de ir para a escola! Nesse instante, tudo vira do avesso.

Durante a adaptação, a escola se transforma um pouco na casa dos pais. As portas se abrem para todos (pais, criança, babá, avós) e ouvimos atentamente as necessidades de cada criança, de sua família, e nos esforçamos para nos adequarmos a todas elas. Aqueles que chegam, assim como os recém-nascidos, necessitam encontrar um lugar quentinho, acolhedor, parecido com o ventre materno. Ao mesmo tempo continua sendo uma escola com seus quintais, bosques, bichos, ateliês, professores, serventes e funcionários. Sem esconder sua alma viva em nenhum momento.

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Enquanto essa mistura (casa-escola) acontece, todos tentam encontrar os seus lugares. Os sentimentos de insegurança, ansiedade e desconforto são inevitáveis. Mas essas não são as únicas sensações sentidas. Existe também um friozinho na barriga muito gostoso, a alegria e um ânimo frente aos novos desafios. Contudo, há uma pergunta que anseia por sua resposta: qual é o meu lugar?

Os professores não estão completamente livres e confortáveis para exercerem os seus trabalhos. Mil olhares são lançados em direção a eles. A sensação de estarem sendo avaliados é constante. Perante as primeiras intervenções, muitas dúvidas aparecem, como por exemplo: "Se eu agir de tal maneira, talvez me achem muito bravo, mas se eu não agir, pensarão que sou displicente". Os professores estão pensando todo o tempo em cada passo que realizam. Paradoxalmente, eles também têm que relaxar, pois, durante a adaptação, o mergulho de cabeça no desconhecido é essencial. Muitas vezes, para conquistar alguma criança no período de adaptação, o professor pode se sentir um pouco palhaço ou pode achar que o que faz é algo non sense, por exemplo. No entanto, o importante é não pensar muito no julgamento que os outros possam fazer, para assim garantir a comunicação com a criança. A espontaneidade é fundamental.

A sala de aula permanece com a porta aberta, os pais entram e saem, sem pedirem muita permissão, principalmente nos primeiros dias de aula (assim como os próprios alunos). Dessa maneira, os professores não têm controle sobre o seu espaço ou planejamento e precisam "dançar conforme a música". Para entender um pouco melhor a dificuldade da posição em que se encontram, é só lembrarmos que a função do professor naquele momento, é de mostrar para a criança que vale a pena separar-se da mãe. Uma tarefa nada fácil.

O lugar dos pais

Os pais também têm dificuldade em saber que lugar ocupar. Eles querem conhecer a escola a que confiaram o cuidado de seus filhos. Mas não querem invadir um espaço que não é deles. Estão lá, mas não podem cuidar das crianças, tarefa que sabem fazer muito bem. No entanto, em alguns momentos devem cuidar deles, seus pequenos. Como discernir essas situações? A sensação de que estão atrapalhando é constante. Somando-se a isso, sabemos que alguns pais tiram uns dias de férias durante a adaptação, ou seja, deixam de trabalhar para permanecerem com seus filhos. Em contrapartida, os professores alertam que eles não podem ficar e brincar com eles. Devem ignorá-los, uma recomendação que se tirada do contexto, parece insana.

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Pode-se estar pensando como é complicado, tanto para professores quanto para pais, a entrada da criança na escola. Mas a complexidade desse período não diz respeito somente a eles: é uma fase difícil principalmente para a própria criança. Ela é convidada a relacionar-se com outros adultos - que não os seus pais - na presença deles. Desde de que nasceu, a criança aprendeu que para qualquer necessidade deveria recorrer aos pais. São eles que realmente sabem entender do que ela precisa.

Mas, de uma hora para outra, não são eles que vão alimentá-la, cuidar dela quando cair ou se machucar, brincar com ela... Seus novos "responsáveis" não entendem o que ela precisa no primeiro instante. Mal compreendem o que diz, não sabem de quais brincadeiras gosta, nem quais são seus alimentos prediletos... E o agravante é que seus pais (que sabem de tudo isso e mais um pouco) estão ao seu lado e não fazem nada!

Contudo, diante de todas essas dificuldades, apesar de "todas as dores do parto", existem muitas coisas boas, existe muita vida. A emoção que os pais sentem ao ver seus filhos descobrindo um mundo novo é especial. O orgulho de perceber como o seu bebê se desenvolveu e agora já vai para a escola, observá-lo fazer amigos, entrar para um grupo, realizar conquistas... Enfim, crescer... É muito importante.

A emoção dos professores não fica atrás. Conhecer novas crianças, recebê-las, cuidar de cada adaptação e de repente, descobrir magicamente que aquele que só chorava está gargalhando, que um grupo único - o seu grupo - está se formando... Tudo é extremamente gratificante. E finalmente, não podemos descrever o prazer que uma criança sente em descobrir um mundo tão rico, que ela ainda não é capaz de mensurar. Isso só ela mesma pode saber.

Quem é a colunista: Zita Garcia.

O que faz: psicóloga e professora da educação infantil da Escola Viva.

Pecado gastronômico: churros do Bar da Dona Onça ou do Exquisito.

Melhor lugar do Brasil:Qualquer praia sossegada em boas companhias.

Como falar com ela: ou [email protected]


Atualizado em 6 Set 2011.