Guia da Semana

Por Fabrício Andrade

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Eu quase o perdi. Um lapso de memória por pouco não fez com que o eclipse da lua, com o perdão do trocadilho, passasse em branco para mim. Eu estava na praia e alguém chamou a atenção para o céu. A lua ia sendo engolfada pela escuridão galopante; em alguns minutos ela estaria coberta por um véu negro, sensual, sem oferecer-lhe resistência alguma. Ela aceitava o eclipse como se já estivesse preparada para ele, como uma concessão delicada ao universo e às suas leis. Sem nunca perder a classe, naturalmente.

É claro que, quando se está no calor sufocante de uma noite abafada de verão, a gente não vê o eclipse tão poeticamente, mas alguma coisa acontece sempre que tem um. As reações variam entre observações óbvias ("bonito, né?"), divagações históricas ("você sabia que em 1772 um astrônomo suíço...") ou exclamações monossilábicas, a mais comum delas sendo "ohhhh!". O negocio é: ninguém fica indiferente a um eclipse. Seria anti-social.

Aquela noite me veio à memória quando lia uma reportagem no site da BBC. Alguns pesquisadores norte-americanos chegaram à conclusão que um episódio agudo de estresse pode destruir neurônios e, potencialmente, levar à depressão. Pelo menos foi o que aconteceu com os ratos. Não foram informadas as condições psicológicas e sociais dos jovens roedores, possíveis antecedentes de distúrbios afetivos, se vieram de famílias amorosas ou de lares desfeitos, etc., mas o fato é que eles se estressaram quando atacados por outros ratos (o que é perfeitamente compreensível para as mulheres) e houve uma "redução no numero de neurônios novos para processar sentimentos e emoções." Em outras palavras, um bode sem fim.

Esses dois acontecimentos aparentemente desconexos me fizeram pensar sobre a nossa exposição diária à chateação gratuita, ao estresse inútil. E sobre a necessidade de um eclipse de vez em quando. Parece slogan de livro de auto-ajuda, e talvez até seja, mas acho imprescindível que algo tão sutilmente envolvente, tão despretensioso, interrompa essa nossa rotina de rispidez quase indiferente.

Dia após dia, você é vitima e cúmplice de atitudes mesquinhas, de comentários enviesados, de situações as mais desagradáveis. Não há muito que possamos fazer para impedi-las. Mas podemos lidar com elas. Talvez seja esse o maior problema, na verdade, as decisões que tomamos. Do colar que combina com o sapato ao curso certo na faculdade ideal, são as escolhas que nos atormentam, tiram o nosso sono e acabam mostrando do que somos feitos. Ratos reagem ao ataque somente por instinto; nós, por instinto e orgulho.

Atentar para as mudanças, para o que está temporariamente envolto, é uma forma de se atenuar o impacto da vulgaridade acachapante. A beleza não está em tudo, mas é seu dever procurá-la e vê-la como um convite a um mundo intenso, simples e gentil. Como uma promessa de felicidade, já dizia Stendhal. Os seus neurônios agradecem.

Quem é o colunista: Fabrício Andrade.

O que faz: Estuda, trabalha e viaja (não necessariamente nessa ordem).

Pecado gastronômico: Gula é pecado ou virtude?

Melhor lugar do Brasil: Praia depois de feriado e dia santo.
Fale com ele: [email protected]

Atualizado em 6 Set 2011.