Guia da Semana

Você consegue desabafar com um desconhecido?
Foto: Stck.Xchng

Aquela velha história de que dinheiro não compra tudo está cada vez mais ultrapassada. Depois do personal trainer, que se encaixa nos seus horários e prepara um treino físico específico para você alcançar o corpo desejado; e do personal stylist, que te ajuda a não errar no visual seguindo suas formas e seu estilo de vida; chega ao mercado uma nova atividade que carrega o mesmo glamour do nome em inglês, mas que está criando muito mais polêmica: o personal friend. Traduzindo ao pé da letra, a expressão dá origem a um inocente "amigo pessoal", mas, na verdade, a atividade nada mais é que um amigo de aluguel. Isso mesmo! Os malas de plantão, com aquele papo insuportável, agora podem pagar por uma companhia.

O conceito foi criado pelo professor Silvério Veloso, mas a idéia original não era vender um ombro amigo e, sim, ajudar as pessoas que assistiam às suas palestras a aplicar atitudes empreendedoras no dia-a-dia. Inicialmente, dava dicas para quem queria crescer profissionalmente, mas, aos poucos, foi ficando conhecido e o perfil dos clientes se diversificou. Atualmente, seus "amigos" têm de 19 a 70 anos e as consultas acontecem durante uma caminhada no calçadão do Rio de Janeiro ou num passeio no shopping.

Entretanto, pessoas com visão mais oportunista do que empreendedora se apropriaram da idéia para ganhar dinheiro fácil. Anúncios de personal friends em classificados de jornais, num primeiro momento, levantam suspeitas sobre o real tipo de serviço que é prestado, tal qual as "massagistas" que, na verdade, são garotas de programa. Mas um rápido telefonema é suficiente para desfazer qualquer má impressão (ou má intenção) do cliente. O personal friend Ivan deixa bem claro que não há nenhum tipo de contato íntimo: "Nós marcamos um encontro num local público para conversar, se você quiser levar outra pessoa junto para se sentir mais segura, não tem problema", explica ele.

Os encontros são em lugares públicos
Foto: Stck.Xchng
Ivan, que tem 25 anos, também esclarece que, para ele, a atividade não é nenhum tipo de laboratório: "Não sou estudante de psicologia, eu não analiso ninguém. É só uma conversa, um bate-papo, pra falar sobre qualquer assunto. É tudo profissional, o que você me disser, eu não conto para ninguém. Hoje em dia, é difícil as pessoas se abrirem, sempre há algum interesse nas amizades e uma imagem a manter". Mas o amigo que não julga e sabe guardar segredos também tem o seu interesse: o pagamento, que deve ser feito em dinheiro vivo. Um encontro de duas horas (o tempo mínimo) com Ivan custa R$ 50,00. O pioneirismo de Silvério eleva o preço, são R$ 300,00 por 50 minutos. Sem falar nos gastos extras, como transporte, alimentação ou até um cineminha - tudo a cargo do contratante.

Depois das amizades reais no mundo virtual, favorecidas pelo isolamento causado pelas novas tecnologias; chega a vez das amizades falsas no mundo real, criadas pela sociedade do consumo, onde tudo é mercadoria. Para o psicólogo Cristiano Nabuco, do Hospital das Clínicas de São Paulo, quem se dá bem com isso são os adeptos da filosofia de vida do ´pagando bem, que mal tem?´: "Isso é uma perspectiva de grande negócio, mas reflete a decadência do ser humano, a falta de alternativas para se relacionar".

Segundo o psicólogo, o marketing usado pelos personal friends, que se consideram uma alternativa para as pessoas muitos tímidas, não funciona: "Se a pessoa é extremamente tímida a ponto de ter que contratar um amigo, ela não vai conseguir se abrir com um desconhecido. O que o personal friend pode fazer é quebrar o gelo. Nos primeiros encontros, a relação é amistosa e, aos poucos, se torna afetiva. O personal friend não ajuda o cliente a perder a timidez, ele cria familiaridade". Por isso, a melhor alternativa para quem tem dificuldades de relacionamento continua sendo a boa e velha terapia.

O personal friend alivia a solidão momentaneamente, mas se o cliente tiver problemas psicológicos como depressão, pode se sentir ainda pior depois de um encontro, ao constatar que precisa pagar por uma companhia. Entretanto, o relacionamento não precisa ser apenas profissional: "Essa amizade de aluguel pode evoluir para uma amizade verdadeira, afinal, as pessoas criam afinidade. Assim como pode evoluir para um relacionamento sexual ou amoroso", esclarece o médico. O difícil, nesse caso, será acertar as contas depois!

Atualizado em 6 Set 2011.