Guia da Semana

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Depois de dois anos de turnê no interior paulista, a peça estreia no Teatro Ruth Escobar, em São Paulo

Rio de Janeiro, 1890. João Romão, Bertoleza, Rita Baiana, Firmo, Jerônimo, Pombinha, Leocárdia... todos vivem em meio ao zunzunzum, aglomeração e desordem de um cortiço. Mas, nas páginas escritas por Aluísio de Azevedo, nenhum deles é o personagem principal, e sim o próprio cortiço. Marco do Naturalismo no Brasil, o livro retrata de forma singular a sociedade da época, ressaltando os problemas e vícios de ricos e pobres, decorrentes do meio em que moram.

Estudantes do Ensino Fundamental e Médio e, principalmente, vestibulandos, já devem ter ouvido de alguma forma a descrição acima. A obra célebre da literatura nacional há muito tempo é exigida como leitura obrigatória dos vestibulares mais concorridos do país. Este ano, a Fuvest e a Unicamp já anunciaram que o título permanece na lista.

Com o objetivo de atingir especialmente esse público - mas também os amantes literários - a Companhia Teatral Misancene adaptou o texto para os palcos. Após dois anos em turnê pelo interior paulista, a peça estreia em 5 de maio, no Teatro Ruth Escobar, em São Paulo, com a promessa de apresentar uma versão sutil e descontraída do que é escancarado no original de Aluísio de Azevedo.

"Abordamos todos os temas pesados e centrais do livro, como a exploração do ser humano, traição e morte, de forma bem-humorada. Costumo falar que é uma adaptação romântica para comédia", explica Patrícia Mayer, diretora e roteirista . Em uma espécie de sátira, brigas homéricas são, por exemplo, coreografadas e momentos tensos do livro são suavizados para ficarem mais palatáveis aos olhos do público.

Moradores do cortiço

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O elenco conta com a participação especial de Renato Scarpin, que interpreta o Jerônimo

A equipe de 14 atores se desdobra para apresentar 17 personagens da obra original, que mostra portugueses, burgueses, mulatos e negros que querem cada vez mais dinheiro e poder enquanto presenciam a miséria. João Romão, português ganancioso, é o dono do cortiço e mora com a negra e escrava fugida, Bertoleza. Miranda, vizinho rico de Romão, é casado com Estela e, juntos, os dois núcleos representam os burgueses.

O triângulo amoroso que é citado várias vezes no livro também aparece na versão para o tablado. Jerônimo se apaixona pela bela mulata Rita Baiana, namorada de Firmo, o que vai ocasionar uma briga tensa com um final nada feliz. Pombinha, que é descrita como uma flor, era moça de família até perder o pai, ficar pobre e ter que morar no cortiço. Ela se apaixona pela prostituta Léonie e é considerada o símbolo do lesbianismo. Já Albino é o lavadeiro que representa o homossexualismo masculino.

De acordo com Patrícia Mayer, as lavadeiras têm um papel crucial na encenação, dando também um toque de humor ao enredo. "Muitas histórias que aparecem no livro são contadas por elas, que aparecem constantemente durante a peça contando fofocas", ressalta.

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Parte das anedotas são contadas pelas lavadeiras

Naturalismo e determinismo

Ao mesmo tempo em que todos esses personagens sobem aos palcos, o cortiço é personificado e ganha vida própria, assim como na publicação de 1890. Na versão para o teatro, o cortiço nasce, cresce, espalha-se e tem um final que promete surpreender o público.

A importância de O Cortiço na literatura brasileira se dá, entre outros motivos, por ser um marco do Naturalismo no Brasil. A corrente naturalista desenvolve-se nas entranhas do movimento do Realismo, mas não se confunde com ele. Enquanto o Realismo enfoca no homem e nas mazelas da civilização de uma perspectiva sociológica, o Naturalismo assume uma visão biológica-patológica.

É exatamente isso que faz Aluísio de Azevedo: ele animaliza o ser humano, mostrando que no fundo ele é movido pelo instinto e desejo sexual, ressaltando a desigualdade social do país. Muito diferente do que costumava ser feito no Romantismo, movimento literário que precedeu o Realismo e que tinha como principais características a subjetividade e a idealização. A narração se desenvolve, assim, em meio às condições precárias desse local que é propício à promiscuidade e que transforma seus moradores - mostrando que o autor se baseia também no determinismo, teoria que defende que o meio modifica o homem.

Para os curiosos, a grande pergunta que fica é como essas características do texto original estarão presentes nos palcos. Patrícia Mayer explica que, apesar de ser uma adaptação romântica para comédia, a essência do livro é conservada. Quando questionada a respeito do naturalismo, ela responde que "será mantido, mas apresentado de forma diferente".

Atualizado em 6 Set 2011.