Guia da Semana

Fotos: Thinkstock

Imagine que você seja filho do rei de um importante país. Como tal, quase sempre precisa discursar para a população, geralmente ao microfone. No entanto, um problema não o deixa em paz: a gagueira. Esta situação aconteceu de verdade com o rei da Inglaterra, George VI, o pai da atual rainha Elizabeth II. Sua jornada para conseguir falar em público com segurança é retratada no filme O Discurso do Rei, lançado recentemente nos cinemas brasileiros. Porém, e infelizmente, o problema não é exclusivo de membros da monarquia real, pois muitos "plebeus" também passam por situações diárias de preconceito com a gagueira.

Durante o longa-metragem, vemos que o sofrimento do rei foi intensificado pela concepção, até então comum, de que para superar o problema bastava força de vontade. "Naquela época, a gagueira ainda era considerada de fundo emocional, visto que não havia meios de comprovar qualquer tipo de alteração orgânica", explica a presidente da Associação Brasileira de Gagueira (Abra Gagueira), Eliane Regina Carrasco. "No entanto, com o avanço da ciência, foi possível perceber, através de exames não invasivos, que existem pequenas diferenças no funcionamento cerebral nas pessoas que gaguejam em relação ao processamento da fala".

Paulo Amaro Martins, de 47 anos, escreveu junto com Eliana Nigro um livro sobre o assunto, chamado Ensaio sobre a Gagueira. Ele lembra que a gagueira não é nada engraçada para quem a possui. Segundo ele, as pessoas, por desconhecerem a origem orgânica e involuntária do problema, acabam desrespeitando o gago, tornando-o motivo de chacota. "Cabe a nós, portadores, informar sobre a gagueira e nos fazermos respeitar. A grande dificuldade é que ela arrasa emocionalmente a criança, que cresce com terríveis danos em sua autoestima, dificultando, e muito, essa ação propositiva de se fazer respeitar e repudiar o preconceito e a discriminação".

Superando a cada dia



Apesar das dificuldades, existem muitos casos de pessoas que venceram essa luta. Gago desde os cinco anos de idade, o estudante universitário Aldo Oliveira, hoje com 18, conta que atualmente a gagueira não afeta a vida dele em nada. Mesmo assim, passou por momentos bastante difíceis na época da escola, principalmente quando estava entre a 5ª e 8ª série. "Justamente por ser mais tímido e conviver somente com as pessoas que me aceitavam, não fazia muitos trabalhos orais por conta do medo de gaguejar e acabar escutando risadas dos colegas de classe", conta.

Hoje ele namora e já fala no telefone tranquilamente, algo que era um dos seus principais bloqueios. "Eu imaginava muito o que a pessoa no outro lado da linha estava pensando e, com isso, acabava apreensivo e gaguejava mais", conta. Para consertar o problema, ele buscou tratamento. Na mesma época, também começou a trabalhar na administração de um projeto social, que oferece cursos de marcenaria, e teve que falar ao telefone todos os dias. A partir daí, perdeu totalmente o medo e começou a se sentir mais seguro. "Por conta do auxílio da fono, minha gagueira se tornou algo imperceptível".

De acordo com a Diretora Clínica do Instituto Brasileiro de Fluência- IBF, Eliana Maria Nigro Rocha, entre os fatores importantes que favorecem o surgimento da gagueira do desenvolvimento, a mais comum, estão tendência familiar (herança genética) e a ocorrências de lesões encefálicas, tanto na gestação, quanto no nascimento ou logo após. Como o problema é variável em suas características, a especialista explica que existem diversos graus de severidade. "Temos desde a gagueira leve, quando chega a ser imperceptível para os ouvintes, até a gagueira severa".

O designer de interfaces e programador Thiago Azurém, de 30 anos, é gago desde a infância e acabou criando uma comunidade no Orkut sobre o assunto, justamente para ajudar outras pessoas a superarem o problema. "Apesar de atrapalhar bastante a minha vida, eu sei lidar com a minha gagueira perante minhas relações sociais. No entanto, a maioria dos gagos não é assim, tem diversos problemas sociais e psicológicos, como timidez, depressão, baixa autoestima".

Na comunidade, a galera compartilha desde padrões de gagueira a modos como gaguejar menos. Inclusive, alguns fonoaudiólogos postam conselhos e dicas. Apesar do tom alegre, este espaço na internet também reúne histórias tristes."Uma vez um rapaz postou, em réplica à descrição da comunidade, que a gagueira era péssima, horrível e a pior coisa do mundo. Imagina como deve ser a vida desse cara? Com toda sua estrutura psicológica e emocional debilitada diante desse problema? Complicado". Ele conta que lida com a própria gagueira de forma bem-humorada. "Descobri que, quando eu mesmo faço a piada de minha gagueira, não abro espaço para aparecer um engraçadinho e me ridicularizar com piadas".

Vencendo Obstáculos

Foto: AFP

Se você tem gagueira, a diretora clínica da IBF recomenda procurar um fonoaudiólogo. Numa avaliação inicial, ele buscará conhecer como se processa a comunicação da pessoa em todos os seus aspectos: fluência, articulação, respiração, postura e expressão corporal, contato de olhos, vocabulário, linguagem, presença de movimentos involuntários e tensões. "Ainda são levadas em consideração questões subjetivas, especialmente o modo como a gagueira é vista pela pessoa em questão e pelos que convivem com ela", conta.

O tratamento se molda de acordo com cada indivíduo, sendo que o objetivo geral é fortalecer a comunicação como um todo. O enfrentamento das situações temidas de fala também faz parte da terapia. "A pessoa aprende se comunicar da maneira mais fácil e eficaz possível, além de utilizar sua fala em todas as situações da vida, sendo capaz de enfrentar os desafios que surgem diariamente", diz Eliana, ressaltando que, apesar de não ser um processo simples, tem observado que os adolescentes, quando motivados, respondem extremamente bem a todo o processo.

E, com todos essas terapias, a gagueira tem cura? A presidente da Abra Gagueira, Eliane Carrasco informa que ainda não, mas, com o tratamento adequado, ela pode ser bastante reduzida em seus sintomas, diminuindo bastante repetições e bloqueios. Ou seja: quanto mais cedo diagnosticada e mais rápida for a intervenção, melhores serão os resultados.

Lidando com a gagueira alheia

Se você não sofre com o problema, mas conhece alguém que tem gagueira, veja algumas dicas dos especialistas para lidar com isso:

- De um modo geral, o ideal é dar um tempo a mais que as pessoas necessitam para falar. Qualquer "conselho", como "Fale devagar", "Respire" e "Pense antes de falar", não tem nenhuma utilidade. Pelo contrário, só trazem maior dificuldade para quem gagueja, pois ela ocorre independentemente de nervosismo. Por isso, os conselhos que pedem que a pessoa se acalme não têm sentido algum.

- A maioria das pessoas que gaguejam não gosta que suas palavras sejam completadas pelo ouvinte, mas eventualmente alguns acham isso positivo. Assim, o diálogo aberto pode ser a melhor saída.

- O melhor que o ouvinte pode fazer é encontrar sua própria calma, caso a gagueira o deixe aflito. Ele pode manter o contato e a atenção tranquila voltada para a pessoa que gagueja, deixando-a o mais à vontade possível.

- Brincadeiras irônicas relacionadas à fala devem ser totalmente evitadas, pois humilham e constrangem. Sua autoestima pode ser fortalecida com o respeito dos que convivem com ele.

- Mais informações: www.gagueira.org.com.br / www.abragagueira.org.br.

Atualizado em 1 Dez 2011.