Guia da Semana

Foto: www.sxc.hu


Uma das perguntas mais recorrentes nas oficinas de contação é "Quais as histórias indicadas para cada faixa etária?" . Fico me perguntando se nos tempos idos os contadores de causos que animavam os serões de histórias nas fazendas ou nos povoados tinham essa preocupação e elucubravam a respeito.

Claro que não! A prática não seguia nenhum paradigma ou estabelecia limites para o repertório contado. Com isso, a criança ouvia, ao lado de adultos, histórias de terror, de mula sem cabeça e uma das primeiras intenções da arte de contar histórias era alcançada: a de agregar. Mas os tempos mudaram e, quando digo isso, não quero dizer que uma época seja melhor ou que esteja mais certa ou errada, não. O olhar era outro.

Nas oficinas que desenvolvo, a investigação das raízes da literatura infantil começa a partir do século XVII e, mais especificamente, a partir da compilação que Charles Perrault fez das histórias tradicionais. Histórias que culminaram na publicação de Contos da Mamãe Gansa (personagem dos velhos contos populares franceses que contava historietas para seus filhotes), que incluía, entre outros, Chapeuzinho Vermelho, As Fadas e a Bela Adormecida no Bosque.

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No Brasil, surgiram, no final do século XIX, os contos da carochinha, que se desdobraram em variantes extremamente influenciadas pelas amas africanas que as contavam. Por ser um material que circulava pelas classes menos favorecidas, tinha uma linguagem simples, que a todos encantava, e não era tão importante saber se uma criança de 5 anos estava compartilhando a mesma história com seu irmão de 12. Contos que, na maioria das vezes, falavam da busca do autoconhecimento, ritos de passagem que pegavam carona no fantástico e que ajudaram tantas identidades a se formarem.

Hoje em dia, já não vamos tanto pela intuição, infelizmente. Precisamos ter certeza absoluta e errar muito pouco, principalmente com nossos filhos. Afinal, a vida anda corrida demais e já não temos tempo sobrando para arriscarmos ou experimentarmos e, ao final, não sermos pedagogicamente corretos.

Acho que essa questão de faixa etária é mais mercadológica do que qualquer outra coisa. É claro que o bom senso conta muito. Não vamos contar os Contos da Morte Lograda para uma criança de 4 anos, assim como não vamos contar Os Sete Cabritinhos para um pré-adolescente.

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É preciso dedicar tempo e não buscar ter tudo pronto. Contar histórias é uma arte que envolve pesquisa, atenção, discernimento, percepção e proximidade. Não dá para o livro estar lá na estante e você no outro extremo, buscando receitas prontas para facilitar a sua vida.

São poucos os pais que compartilham realmente do prazer de ouvir histórias ao lado dos filhos. Nós, contadores, sabemos muito bem disso por conta da nossa experiência em livrarias: os pais abandonam os filhos no canto dos contos e só reaparecem no final. Em casa é que começam esses trabalhos que delegamos à escola: o de fazer de nossos filhos leitores ávidos com as parlendas e as cantigas de roda. É o primeiro caminho para tornar o exercício da leitura sedutor e fazer com que a criança peça mais. Depois, vamos inserindo as fábulas, as narrativas curtas que envolvem brinquedos e alimentos e, aí sim, começamos a contar as histórias mais elaboradas: os contos de fada, de encantamento. E, então, quando nos damos conta, temos à nossa frente um devorador de livros. E ele, sem dúvida, vai se tornar um adulto muito mais interessante e sensível.

Boa sorte!


Quem é o colunista: Laerte Vargas é carioca e apaixonado por cultura popular.
O que faz: Atua como terapeuta corporal, contador de histórias e facilitador de oficinas.
Pecado gastronômico: Lasanha aos quatro queijos.
Melhor lugar do Brasil: Parati - RJ
Fale com ele: Spaço dos Contos (21) 2262 0035 ou [email protected]

Atualizado em 6 Set 2011.