Guia da Semana

Foto: Nathália Clark

Zefinha leva dezenas de passageiros para cima e para baixo no prédio em que trabalha como ascensorista há 32 anos

Cada ruga em seu rosto representa uma história diferente, um conselho que você nunca esperaria receber, um colo que afaga, uma dose de carinho e, de quebra, aquele bolo para acompanhar um café da tarde que só ela sabe fazer.

Avó. A palavra se resume a três letras, mas o significado delas, não dá para negar, vale por mil. Mesmo com a idade avançada, algumas delas trabalham, tomam conta da casa, dos netos e fazem realmente (e de novo) as vezes de mãe. Em muitos casos, batalham passando desapercebidas pela maioria das pessoas na rotina estressante das grandes metrópoles.

No sobe e desce da vida, literalmente, a ascensorista Josefa Pereira dos Santos, 56, é um grande exemplo disso. Ela se viu responsável pelo neto Guilherme César após a morte prematura do filho, Júlio César. Pernambucana de nascença, Zefinha, como é conhecida pelos funcionários do prédio em que trabalha, chegou a São Paulo em 1978. Ralou muito, como centenas de brasileiras, e chegou a passar apenas com açúcar e pão duro. Foi mãe aos 24 anos. Hoje, não dispensa o Nintendo, que joga ao lado do neto, e a vaidade, herdada da mãe.

De mãe a avó

A vida se encarregou de levá-la a trabalhar desde muito nova. Recém-chegada à terra da garoa, foi indicada por uma conhecida para cuidar da limpeza de um prédio comercial na Avenida Paulista. No início, trabalhava em dupla jornada: limpava as dependências na parte da manhã e, em seguida, abandonava o papel de "Amélia" para assumir o elevador. "Deixava um vestido e um sapatinho separados e sempre que preciso eu ocupava o lugar de uma das meninas dos elevadores". Assim, ela afirma ter conquistado o posto que ocupa há exatos 32 anos, o de ascensorista.

Como muitas brasileiras, Zefinha era chefe da casa em que morava e passava o dia trabalhando fora. Deixava o filho com sua mãe e, junto dele, as preocupações. "Limpava o corrimão do 22º andar ao subsolo e, às vezes, as minhas lágrimas caíam dentro do balde", confessa. Nessa rotina, viu o garoto se tornar um adolescente. E, de uma hora para outra, o jovem de 16 anos trouxe a notícia que mudaria a vida da mãe. "Ele aprontou. A namorada dele estava com três meses de gravidez. Sempre achei que nunca ia ser avó na vida, mas, de repente, aconteceu", relembra.

Foto: Arquivo pessoal

Josefa ao lado de seu neto Guilherme César, hoje com 15 anos

O pai de Fabiana Cristina, nora de Josefa, não aceitou a situação e chegou a pedir para que ela abortasse a criança. "Eu disse que assumiria tudo. E foi o que eu fiz", afirma a avó. Com a chegada de Guilherme César, o casal tomava conta do filho, enquanto Zefinha trabalhava. E foi assim até Júlio César e Fabiana se separarem, quando a jovem voltou para a casa dos pais com o bebê, que virava e mexia acabava aos cuidados da avó.

Adeus doloroso

A vida seguiu - e tomou rumos trágicos. Aos 23 anos, Júlio César foi encontrado morto perto da casa em que morava com a segunda mulher. O pequeno Guilherme estava com seis anos. "Sofri muito. Fumava demais e entrei em uma tristeza profunda. Ele se foi, mas deixou um pedaço dele para mim. Vi que precisava ficar forte para cuidar do meu neto", a avó diz com lágrimas nos olhos.

Nesse período, o neto já ficava mais tempo com ela do que com a mãe. E Zefinha decidiu pedir a guarda definitiva do garoto. "Se eu tinha amor pelo meu filho, por ele é o dobro. Posso dizer que comecei a vida de novo. Tive muito apoio dos meus amigos. Então levantei a cabeça e me dediquei a ele. Não quis tomar a criança da mãe, mas quero que o pouco que eu tenho seja dele, já que meu filho não está mais aqui".

Daí em diante, começou um novo período na vida da avó, de volta ao posto de mãe. De acordo com ela, foi uma época em que o sacrifício foi muito grande. "Não havia essa coisa de vale transporte, refeição, como é hoje. Ia a pé para casa, pra economizar. Um senhor trabalhava na limpeza do prédio e trazia sempre um saco de pão duro. Eu ia limpando a escada e roendo o pão, para matar a fome. Me pegaram um dia na cozinha comendo açúcar, de tanta fome que eu estava", comenta, orgulhosa de sua superação. Hoje em dia, Guilherme tem 15 anos, e Zefinha afirma ser a avó/mãe mais feliz do mundo.

Vovó no videogame

Foto: Nathália Clark

A mãe/vovó adora jogar videogame com o neto e não dispensa a maquiagem e o perfume para trabalhar

O trabalho é seu grande momento de encontrar os amigos e de garantir a renda para sustentar a casa. Vaidosa, os cabelos bem presos e penteados, as unhas esmaltadas e um perfume que salta ao nariz ao se adentrar no seu espaço de trabalho, essa super avó adora ser elogiada. Ela mesma faz sua maquiagem, unha, sobrancelha e adora tudo isso. "Eu trabalhava tanto que eu só pensava em dormir. Mas meu negócio hoje em dia é ficar em casa e jogar Nintendo com meu neto. Quando ele não está, jogo sozinha", admite.

Assim como o elevador que comanda, ela não tem sossego. Um de seus maiores sonhos é ter uma bisneta. Como a vida não lhe deu uma menina, ela sonha em levar nos braços uma filha de seu neto Guilherme e deseja que ela se chame Juliana. "Sempre quis ter uma menina, pois amo esse nome. Quando a minha nora ficou grávida, queria uma netinha, mas não foi. Então meu sonho é ter uma Juliana".

E quando ela pretende parar? Zefinha não deixa nem a pergunta ser feita por completo. "Se hoje for mandada embora, vou ficar louca. Preciso arranjar algo pra fazer. Estou aposentada e se eu sair daqui me viro. Faço doces para vender, dou um jeito", ela diz, resolvida, enquanto se prepara para iniciar mais um dia de sua rotina de trabalho.

Atualizado em 11 Fev 2014.