Guia da Semana

Houve uma época em que liberdade era uma calça azul, velha e desbotada que todo mundo queria usar e em que a vontade geral era todos serem iguais, vivendo num mundo sem guerras e de amor e paz. Passado, né? Hoje, a onda é uma calça cada vez mais diferente: a mais colorida, ou a mais preta, ou a mais justa. O importante é ser única, pessoal, mesmo que tenha várias outras parecidas penduradas nas araras das lojas... e nem tão diferentes entre si.

Mas por que, seja na Rua Augusta (São Paulo), na Lapa (Rio), no Nova Olaria (Porto Alegre) ou no Marco Zero (Recife), todo adolescente é assim? Para além das vontades, desejos e curtições, há a mão, cada vez mais visível, a movimentar e escolher a próxima banda, a próxima roupa, a próxima moda: a mão do mercado.

Tudo culpa da primeira Revolução Industrial, ocorrida no século 18. "Quando as máquinas substituíram os campos, e os pais foram requisitados pelas fábricas, os filhos que não se adaptaram ao trabalho ou sofreram mutilações (e foram muitos) foram literalmente abandonados. Sem dinheiro, nem trabalho, começaram a formar gangues e aterrorizar a Inglaterra vitoriana. Nascia o conceito de juventude, que durante um bom período foi sinônimo de delinquência", explica Miguel Perosa, professor do curso de Psicologia da PUC-SP.

De lá para cá, vieram os jovens românticos do século 19, que se mataram após ler livros como Os Sofrimentos do Jovem Werther; a geração do rock americano dos anos 50, a primeira a exercer de fato um forte poder na economia; os hippies, um dos poucos grupos jovens a contestar o sistema; e os fãs de cosplay, entre outros.

Ao longo do tempo, muita coisa mudou, mas o que permanece igual, principalmente, é a rebeldia e o papel do grupo. "Meus pais não gostam, mas têm de respeitar. Eu não vou mudar nem deixar de sair com meus amigos porque eles querem", diz Lucas de Carvalho Gomes. Aos 15 anos, esse morador de M'Boi Mirim, zona sul de São Paulo, só quer saber de ouvir Bring me the Horizon e outras bandas que tocam screamo (um tipo atual de punk rock bem berrado), vestir suas camisas e tênis coloridos e encontrar a galera em frente à Pizzaria Vitrine, na Rua Augusta. A calça de strech preta, o piercing no septo e o corte moicano comprido completam o visual de Lucas e dos demais amigos de balada. "Ficamos lá até o sol raiar, conversando sobre todas as coisas, e principalmente, como as outras pessoas e tribos estão vestidas", comenta Lucas, que quer trabalhar com fotografia, mas não sabe em qual área.

Eterna mudança

Foto: Getty Images

A vida em grupo é importante para o desenvolvimento da identidade do todos nós

"Esse público muda cada vez mais rápido, pois são muito ligados às tendências. Antes, eram vistos apenas como um mercado futuro, para quando alcançassem seus 25, 30 anos. Hoje, são referência e fortes influenciadores da família, e não há publicidade, tanto dos setores bancário, imobiliário e de tecnologia, que não trabalhe esse grupo como um nicho do mercado presente, de agora", comenta Ana Lúcia Fugullin, professora de Mídia da Miami Ad School/ESPM.

Para isso, segundo o raciocínio da professora, o discurso publicitário trabalha conceitos e valores importantes para eles, como o individualismo. "O jovem é muito influenciado e busca se destacar no bando. Quando todo mundo está usando branco e preto, tem um que resolve só usar colorido, e isso vai passando, passando e se impondo, seja na música, na moda e em outras áreas", define Ana Lúcia.

O professor Miguel Perosa acrescenta outro conceito: o de pertencimento. "A moda, como expressão do aqui e agora da cultura, faz com que esse sentimento de pertencimento se dê. Roupas, sinais, gírias, tudo faz parte dessa identidade que o jovem precisa consumir".

E por que precisa, professor? "A identidade da criança é dada pelo pertencimento das figuras de autoridade e afeto. Quando ela se torna adolescente, todas as mudanças fisiológicas e biológicas que acontecem dão uma bagunçada na identidade. É nessa hora que aparece no indivíduo a necessidade de estar em um grupo, de pertencer a uma tribo. E isso é bom, pois o jovem isolado é extremamente tímido e fechado, podendo gerar uma identidade adulta extremamente frágil e grandes problemas futuros".

Ou seja: o melhor mesmo é curtir bastante os cabelos moicanos e franjas, os óculos aro branco, viver a turma, a galera e as bandas como se não houvesse amanhã. Mesmo que, no íntimo, você saiba que ele está ali na esquina e logo, logo virá. Como aconteceu com Douglas Ramos, hoje com 19 anos.

"Eu usava muito preto, pulseiras e cinto colorido de rebite... cheguei até a sair de rímel algumas vezes. Gostava de ouvir NX Zero, Taking Numbers, Lipstick e a diversão era ficar com a galera na Praça da Matriz, na Freguesia do Ó, bairro onde até hoje moro. Aos 17 anos, comecei a jogar Guitar Hero, e isso mudou a minha vida. Conheci Rolling Stones, Beatles, Kansas e Led Zeppelin. As letras são tão lindas que começaram a me construir, ajudando a ter minhas próprias visões e planos, fazendo com que naturalmente eu abandonasse tanto preto, tanta parafernália que carregava", relata o jovem, auxiliar administrativo numa editora e que sonha em entrar para a universidade pública e se formar em tradutor e intérprete, auxiliando o diálogo entre nações e empresas por um bom período da vida.

Atualizado em 25 Abr 2012.