Guia da Semana

Foto: Arquivo pessoal


Bebês são adoráveis. Pele de seda, olhinhos que dizem "eu te amo" o tempo todo, acordados, dormindo, chorando sem a gente saber o porquê. Mãe de uma filha, eu me via angustiada quando a Manuela, em seus poucos meses de vida, recusava-se a dormir ou chorava de cólica ou me roubava noites acordando a cada meia hora. Hoje, seis anos depois, vejo como passou voando a fase bebê e como era bom e simples - pelo menos olhando para trás. Depois vem a fase dos três, quatro anos, uma delícia, muitas descobertas, as frases mais articuladas, a socialização, o diálogo. Hoje vivo com entusiasmo ainda maior e mais tranquilo a fase das indagações e das tentativas de fazer sentido, de se fazer ouvir como gente grande, já que filhos únicos convivem muito mais (do que deveriam) com adultos.

Nessa fase da infância, os pais são presenteados com frases insólitas, perguntas que parecem descabidas e algumas livres adaptações do que os filhos ouvem nas conversas dos mais velhos. Manuela é tagarela como muitas meninas, que adoram se expressar a todo momento. Está sempre atenta e sempre curiosa.


Dia desses, nós duas saíamos do supermercado, que fica a três minutos de carro da nossa casa. Trajeto longo o suficiente para uma menina moleca de seis anos entabular uma série de conversas que não chegam exatamente a um desfecho:


- Mãe, como são feitas as mochilas?


- Não sei bem, filha (sou 100% honesta e humilde com ela), mas é numa fábrica, eles cortam a lona ou o tecido de acordo com o molde, costuram e aí fica pronta a mochila.


- Colocam as alças, né, mãe!

- Isso.

- Mãe, acho que mochila com alças deve ser mais fácil de fazer.

- É, filha, por quê?

- Mãe, é lei que o sobrenome da mãe tem que vir antes do sobrenome do pai?

- É lei sim, filha.

- Mas tem gente que não tem sobrenome, né.

- Não, todo mundo tem e...

- McDonalds é o quê?

- Um nome próprio, filha.

- Então eu poderia me chamar Manuela McDonalds?

- Acho que poderia.


(Segundos de silêncio, carros passando.)


- Mãe, tu fez 35 anos, né?

- Ahan.

- No teu tempo existia carro?


Ai. Chegamos. Abro a porta de entrada da casa com sacolas e já vou ouvindo o pedido do prometido picolé. Que chega junto com o pedido de ajuda para arrumar a televisão. Meu pavio não é o mais longo de Porto Alegre:


- Manuela, calma, eu não sou um polvo, só tenho duas mãos.

- Pena, né, mãe, tu poderia ter oito braços. Bem longos.


E sossega com o picolé prometido na mãozinha.

Eu amei todas as fases da Manu. Muito. E sei que vou amar todas que virão. Sempre. Mas essa idade da incessante curiosidade por absolutamente tudo é emocionante. E acaba gerando tiradas hilárias e inesquecíveis. Manuela tem atenção a todos os detalhes imagináveis. Certa vez estava eu sentada mais uma vez ao computador e ouvi:


- Mãe, se o céu é azul como o mar por que eu não posso mergulhar nele?


Seria mais lindo não tivesse sido a pergunta inspirada por um questionamento do Discovery Kids - mas na minha memória esse porém vai se apagar diante da poesia da indagação. E eu ali, cansada diante da tela de trabalho. Virei-me para ela e disse:


- Espera só mais um pouquinho, a mamãe (então com uma tendinite e usando tala) vai terminar aqui e vamos ler um livro.


Ao que ela me surpreendeu e emocionou, mais uma vez:


- Mãe, eu quero te ajudar.

- Tu já me ajuda compreendendo, filha.

- Não, mãe, eu quero fazer alguma coisa para te ajudar. A gente faz assim, tu digita e eu dou enter.

Adoro.


*Parte dessa coluna foi originalmente publicada no dia 14 de fevereiro, no caderno Meu Filho, do jornal Zero Hora (http://www.zerohora.com.br).

Quem é a Colunista: Milena Fischer, 35 anos, mãe da Manuela, seis anos, e editora-chefe do Guia da Semana para Rio Grande do Sul e Santa Catarina.

O que faz: mãe em tempo integral (mesmo quando o tempo não permite), é jornalista, escritora e tenista amadora.

Pecado Gastronômico: cheesecake, sempre.

Melhor lugar do mundo: onde eu estiver com a Manu.

O que está ouvindo no rádio, mp3 e iPod: Paul McCartney.

Fale com ela: pelo e-mail [email protected] ou a siga no twitter (@milenafischer).

Atualizado em 11 Fev 2014.