Guia da Semana

Assim que recebi a tarefa de fazer a análise de Dex – Enhanced Edition, fui pesquisar sobre o jogo indie. Logo descobri que desenvolvedora tcheca Dreadlocks recorreu ao financiamento coletivo, ao final de 2012, para tirar seu segundo jogo do papel. A página de Dex no Kickstarter diz até hoje – Um RPG de ação e espionagem com visão lateral orientado pela história com uma nova visão do ciberespaço.

Já que este ano veremos a temática futurista ganhar os holofotes novamente com Cyberpunk 2077, talvez o lançamento tardio para Nintendo Switch seja o momento ideal de voltarmos um pouco de atenção para Dex – Enhanced Edition. Será que vale a pena? Veja quais foram minhas impressões em Dex – Enhanced Edition | Review para o Pizza Fria!

A rapa de tacho de um financiamento coletivo 

Ao pedir ajuda do público, a Dreadlocks tinha em mente levar Dex para todas as diferentes plataformas a seu alcance. Claro, já que estamos falando do distante ano de 2012, uma entressafra de consoles. Por isso, o jogo foi listado para computador (múltiplas vitrines digitais), PlayStation 4 e PS Vita, Xbox One e… Wii U.

Contudo, o Wii U acabara de ser lançado e não conseguia emplacar. Em uma publicação de setembro de 2015, três anos depois, a Dreadlocks esperava que a versão saísse até o ano seguinte. Seja como for, a previsão não se concretizou e, em 2016, a Nintendo anunciou o Switch de tal que forma que o projeto migrou para a nova plataforma.

Dex - Enhanced Edition
A ilustração é incrível e transporta o jogador para Harbor Prime com um visual que lembra Blade Runner. (Imagem: Divulgação.)

Finalmente, o anúncio de Dex – Enhanced Edition foi dado pelo Direct da editora QubicGames em abril deste ano. Em contraste com seu lançamento original, de 2015, o jogo chegou ao Switch cinco anos depois, em 24 de julho de 2020, custando US$ 19,99 na Nintendo eShop americana. Contudo, não há confirmação se ficará disponível no eShop brasileiro.

As novidades de Dex – Enhanced Edition

Uma vez que o Nintendo Switch recebe DexEnhanced Edition, considerada a edição final, vamos listar – antes de mais nada – quais são as diferenças em relação àquela lançada como base.

Primeiramente, a interface foi redesenhada para dispositivos com telas sensíveis (provavelmente resquício do conceito para gamepad do Wii U). Da mesma forma, os modos ciberespaço e AR foram repaginados por completo.

Esta edição possibilita o salvamento do jogo a qualquer momento e a programação da inteligência artificial dos inimigos passou por ajustes. Além disso, talvez com maior impacto direto na jogabilidade, seja a capacidade de usar armas enquanto agachado e andando.

Dex – Enhanced Edition
Tenha armas, use os braços e nocauteie à surdina. (Imagem: Divulgação.)

Outros idiomas foram inseridos e efeitos sonoros foram regravados. Segundo Axel Droxler, principal designer do game, eles continuaram trabalhando desde o lançamento e ouvindo o feedback dos fãs para tornar o jogo naquilo que sempre quiseram. 

Em qual gênero devemos encaixar Dex

O jogo é uma mistura 2D de Deus Ex com Geometry Wars, ou seja, de um RPG futurista com armas e opções de diálogo com bullet hell futurista. Jogue na receita um pouco de combate simplificado, como num beat ‘em up. Surpreendentemente, essa combinação funciona “bem”.

Se não gosto tanto dos jogos de arcade de briga de rua, por outro lado a possibilidade de acumular experiência e liberar atributos clássicos de RPGs ocidentais, como carisma – conseguindo assim convencer personagens com certas opções de diálogo – e melhorar o manejo de armas, provê a sensação de uma jornada moldada de acordo com a vontade do jogador, feita sob medida.

Os minigames de invasão de sistemas e câmeras, assim como a realidade aumentada, se passam no ciberespaço e são simples, carecendo de desenvolvimento. O recurso é pertinente ao universo do jogo, porém a execução não é das mais interessantes.

Dex – Enhanced Edition
Geometry Wars? Não! O tenebroso minigame para hackear objetos. (Imagem: Divulgação.)

Harbor Prime acaba servindo de hub central, uma espécie de mundo aberto em plataformas, proporcionando uma navegação interessante entre ambientes. Apesar de oferecer armas, quase nunca as usei dada a dificuldade de fazê-lo intuitivamente, uma vez que os cenários favorecem o combate corpo a corpo.

Impressões sobre Dex

Dex é o nome da protagonista misteriosa com cabelo azul, residente da cidade cyberpunk Harbor Prime. O game começa com uma organização poderosa – The Complex – perseguindo Dex por causa de suas habilidades únicas. O prólogo é parte dessa escapada na busca por descobrir o motivo pelo qual estão atrás de você. O início lembra muito Matrix: ao receber uma mensagem misteriosa, devemos encontrar o hacker que nos contatou.

Falar sobre o jogo talvez tenha se transformado em um dos maiores desafios pessoais recentes para escrever uma análise. Ao passo que gosto de toda a temática futurística (mais que aventuras medievais e fantásticas), ao mesmo tempo obras com sucesso no gênero são escassas e raramente conseguem sobreviver à premissa. Logo, antes de tudo sempre tentei manter ativa a lembrança que este jogo é a aventura independente de um pequeno estúdio e não uma franquia com orçamento de bilhões de dólares.

Dex – Enhanced Edition
Dex mistura diversos gêneros, de beat ‘em up a RPG. (Imagem: Divulgação.)

Por fim, antes mesmo das conclusões, ouso dizer que, de alguma maneira, quero gostar mais de Dex – Enhanced Edition do que o game realmente merece. Talvez pela escassez citada acima em representantes do gênero, talvez pelo potencial quase atingido. Vamos lá!

Cenários incríveis prejudicados pela animação

Quanto ao visual, esta é a força do jogo, já que as ilustrações são extremamente detalhadas e feitas com técnicas dignas de capturar a essência do seu material de referência. A arte de Dex consegue, de alguma maneira, representar o isolamento de uma distopia e enriquece a narrativa mais que a exposição por diálogos e outros elementos textuais.

Contudo, a animação afeta negativamente o jogo. Este é um daqueles raros casos nos quais a captura de um quadro é melhor do que um vídeo. Não sei dizer se o resultado final é proposital, mas a movimentação robótica dos personagens não condiz, mais uma vez, com as ilustrações. Pontos extras retirados em função do combate, precariamente animado e simples, e dos desafios para hackear objetos, o trecho similar a um bullet hell.

Enquanto cenários capturam temas mais adultos, a escrita empobrece a narrativa. (Imagem: Divulgação.)
Enquanto cenários capturam temas mais adultos, a escrita empobrece a narrativa. (Imagem: Divulgação.)

Aproveitando o tópico sobre visuais, a edição para Nintendo Switch apresenta dois problemas. Primeiramente, o tamanho da letra. Ainda que o texto esteja na configuração com o maior tamanho, a leitura é desconfortável tanto na televisão, quanto (e principalmente) no modo portátil. Considere que digo isso sem ter problemas de visão e nem usar óculos.

Em seguida, a otimização para carregamento do jogo a cada tela outra transição. Anda-se pouco e logo somos interrompidos por uma tela cheia que demora alguns bons segundos até fazer a transição. Não chegam a ser grosseiros, mas os cortes são constantes.

Overdose de referências

No caminho da primeira missão da história, surgem os primeiros aliados, Tony e Deckard. Este último é uma referência clara a Rick Deckard, da novela de ficção Androides sonham com carneiros elétricos? de Philip K. Dick e mais tarde adaptada para os cinemas como Blade Runner. O game, aliás, se inspira no filme de Ridley Scott em seu estilo visual e na narrativa de Dex para a abertura.

Dex, controle-se nas referências ou o Switch voa pela janela. (Imagem: Divulgação.)
Ei, Dex, controle-se nas referências ou o Switch voa pela janela. (Imagem: Divulgação.)

Vamos por partes, mas mantendo um mínimo para não termos spoilers: primeiramente, durante a abertura, a protagonista faz menção a sonhos recorrentes e à chuva. Soa familiar? Mesmo que a maioria das dublagens seja boa para um jogo independente, o crime dos desenvolvedores foi sobrecarregar de referências a Blade Runner, Clube da Luta, 1984, Admirável Mundo Novo, entre outros, e ainda por cima esfregar na cara do jogador assuntos sérios – como prostituição, estupro, abuso de drogas – a gratuitamente a cada linha.

A overdose cultural e a hiperexposição explicativa dos temas acabam por desconstruir a riqueza ilustrada dos cenários. Isso acontece uma vez que roteiristas miraram em condensar tantas referências e explicações em poucas falas dos personagens que Dex encontra por cada uma das nove missões principais (e mais inúmeras secundárias).

É incrível também o efeito que algumas dublagens ruins podem ter: apesar de serem poucas, incomodam ao ponto de preferir desligar. Por exemplo, ainda durante a primeira hora do jogo, Dex chega aos esgotos e se depara com um personagem que detém uma chave. Ele claramente personifica uma variação amadora de Gollum, da versão cinematográfica de O Senhor dos Anéis. A tal chave é seu anel – seu precioso –e a representação do conflito de personalidades é digno de causar vergonha alheia no jogador ainda que seja o único na sala.

Dependendo da resposta associada ao nível de carisma de Dex resultará em soluções diferentes, aumentando o replay do jogo. (Imagem: Divulgação.)
Dependendo da resposta associada ao nível de carisma de Dex resultará em soluções diferentes, aumentando o replay do jogo. (Imagem: Divulgação.)

Vale a pena comprar Dex – Enhanced Edition?

O problema com a saturação de referências é a perda de brilho em uma área na qual um jogo independente deveria brilhar. Não esperava ilustrações tão incríveis e que me fizessem sentir imerso na Los Angeles de Blade Runner, ainda que se chame Harbor Prime neste caso. Tampouco esperava atuações de voz magnificas, um ponto que mais surpreende do que decepciona. Entretanto, a exposição de argumentos deveria alcançar outro nível, dado que o material referenciado já existe e é vasto. O potencial de criatividade e originalidade cedeu ao status de mera paráfrase.

O jogo não dura mais do que deve, podendo ser fechado entre 10 e 15 horas. Jogadores que gostam de completar todas as missões secundárias podem chegar ao final da campanha fortes ao ponto de passar por cima de qualquer inimigo, prejudicando um pouco o fator desafio. Outro aspecto digno de menção: Dex – Enhanced Edition não conta com português do Brasil nem para as legendas e interface.

Finalmente, meu sentimento com Dex é ambíguo: apesar de seus problemas, gostei de jogá-lo principalmente em pequenas sessões. O combate demasiadamente simplificado provavelmente é o menor delito e chega a ser curioso ver o casamento de um beat ‘em up com as mecânicas de Deus Ex para desbloquear habilidades. E, ainda assim, comecei uma segunda jornada para ver os novos rumos apresentados por escolhas diferentes. Vou fechá-lo novamente? Sim, aos poucos. Portanto, se a temática de uma distopia te chama a atenção, talvez valha a pena dar uma chance a Dex – Enhanced Edition.

*Review elaborada com código fornecido pela QubicGames.

Pizza Fria

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Por Carlos Maestre, Pizza Fria

Atualizado em 22 Ago 2020.