Silvio de Abreu é um consagrado autor de novelas. Ninguém contesta seu talento em criar tramas, desde as humorísticas até as policiais. Vide seus sucessos do passado, como "Guerra dos Sexos" (1983), "Cambalacho" (1986), "Rainha da Sucata" (1990) e "A Próxima Vítima" (1995). E, talvez por isso, a expectativa por uma nova trama do autor seja sempre grande. Com "Passione" - que terminou na última semana - não poderia ter sido diferente.
E talvez seja por causa desta expectativa que uma parte dos telespectadores tenha se sentido frustrada com a novela. Uma trama policial bem amarrada, um elenco de primeira, escalado a dedo, numa produção caprichada, com direito a belas paisagens toscanas não foram suficientes para garantir a unanimidade da novela. A verdade é que "Passione" custou a engrenar. E os problemas apontados foram muitos.
O italiano falado, muitas vezes enrolado, esteve aquém da compreensão do telespectador médio. O público se sentiu traído com a revelação do "segredo de Gerson". E também incomodado ao ver um sujeito bonachão (Totó, de Tony Ramos) se deixar envolver tão facilmente por uma bandida com cara de anjo (Clara, de Mariana Ximenes), em uma trama pouco crível. Uma história com situações forçadas e inverossímeis pode até ser uma característica inerente ao formato telenovela. Mas o cuidado deve ser redobrado para que o telespectador não se sinta subestimado ou enganado.
Mudanças bruscas na personalidade de personagens é um pecado que deve ser evitado. O público viu uma Melina (Mayana Moura) moderna e "do bem" se transformar numa louca sociopata do dia para a noite. Ao mesmo tempo em que o bronco Fred virou um executivo arrojado - com direito a desmantelar o sistema de elevadores da Metalúrgica Gouveia!
Carolina Dieckmann não convenceu como a "mocinha" Diana. Talvez a loucura de Melina - a inimiga declarada de Diana - fosse exagerada justamente para desviar a atenção sobre uma heroína tão apática quanto esta personagem de Dieckmann. E Silvio não a perdoou: tratou de matar Diana! Berilo - o italianinho bígamo de Bruno Gagliasso - era outro que deveria ter sido a próxima vítima do autor! O triângulo amoroso formado com Jéssica (a ótima Gabriela Duarte) e Agostina (Leandra Leal) foi explorado muito além da conta.
Todos estes problemas foram fartamente apontados e decantados pela "mídia especializada", que - quase sempre - fez com que o público se voltasse para a novela. Em outras palavras, a imprensa aguçou o interesse do telespectador, em vez da novela em si. O "segredo de Gerson" é um exemplo de como a mídia pode transformar o subtexto de uma novela em ordem do dia à revelia do autor, desviando a atenção da trama principal. Supervalorizou-se algo que não era para ser tudo aquilo - justificaria Silvio de Abreu. E no fim das contas, o segredo de Gerson não foi tudo aquilo mesmo.
Mas "Passione" teve muitos acertos também. Era inédito em nossa teledramaturgia abordar exploração sexual infantil quando a cafetina tratava-se da avó "velha porca". O autor também soube explorar na dose certa o vício do crack. Tirando uma ou outra interpretação equivocada, o público foi brindado com a ótima atuação do elenco. Em especial Irene Ravache, que roubou a cena como a nova-rica e cômica Clô Souza e Silva.
E lamenta-se Cleyde Yáconis ter ficado parte da novela fora (cuidando da saúde). A implicância gratuita e os risinhos sacanas da quatrocentona ranzinza e espevitada Brígida - sua personagem - fizeram falta. No elenco, o mérito maior foi do autor que reuniu um time de veteranos jamais vistos numa novela. Além de Yáconis e Ravache, foi um deleite ver Daysi Lúcidi, Aracy Balabanian, Fernanda Montenegro, Leonardo Villar, Elias Gleizer, Emiliano Queiroz, Francisco Cuoco e Flavio Migliaccio contracenando.
"Passione" penou na audiência, mas atingiu ótimos patamares em seu último mês de apresentação, despertando a curiosidade do público em desvendar os assassinatos da intricada trama policial. Apesar do sufoco ao longo de seus meses de exibição, a novela pode ser acusada de tudo, menos de ter passado despercebida. Todo o buchicho e críticas que sofreu funcionaram muito bem e serviram para manter a movimentada trama de Silvio de Abreu acesa. É o que se pode chamar de um caso de novela que foi sucesso sem nunca ter sido!
Leia as colunas anteriores de Nilson Xavier:
O retorno de O clone. Maktub!
As referências de Ti-Ti-Ti
Gerson e o segredo
Quem é o colunista: Nilson Xavier.
O que faz: Autor do "Almanaque da Telenovela Brasileira" e criador do site Teledramaturgia.
Pecado Gastronômico: doces e sobremesas.
Melhor lugar do mundo: São Paulo.
O que está ouvindo no carro, mp3, iPod: quase um pouco de quase tudo.
Fale com ele: [email protected]
Atualizado em 10 Abr 2012.