Um psicanalista resolve fazer uma pesquisa através de um relacionamento amoroso de um casal filmando o cotidiano deles dentro de uma casa. Partindo de um personagem do livro de Marçal Aquino, Eu receberia as piores notícias dos seus lindos lábios, Beto Brant faz a minissérie O Amor Segundo B. Schianberg, exibida na TV Cultura. Marina Previato e Gustavo Machado apresentaram em completo improviso seu dia-a-dia, em um seriado que se mostrou um reality show às avessas. O programa foi ao ar nos quatro domingos de julho e ganhou nova edição para entrar em cartaz nas grandes telas, no Festival do Rio.
Apostando na revitalização da dramaturgia televisiva, Beto alia a sua experiência do cinema com os recursos da TV. No final, o laboratório que durou três semanas e 150 horas de gravação. Parte do projeto Direções e em parceria com a produtora Drama e o Sesc TV, causou polêmica e usou uma liberdade na linguagem em um espaço pouco comum. Veja as impressões do diretor em sua primeira incursão na TV.
Guia da Semana: Como surgiu o convite para trabalhar com a minissérie O Amor Segundo B. Schianberg?
Beto Brant: Esse foi um projeto que desde sua primeira edição foi desenvolvido por diretores de teatro. Nessa terceira foi realizada por diretores de cinema. Pedro Vieira, do departamento de teledramaturgia nos convidou para uma conversa. Nela, deu total liberdade de criação, em um tema e história que eu mesmo procuraria. Eles se interessaram pela minha ideia, gostaram da minha proposta e a produção aconteceu em parceria entre a minha produtora, a Drama Filmes.
Guia da Semana: Na sua primeira incursão na TV você apresentou uma proposta ousada, com uma nova linguagem para a teledramaturgia. Como encarou isso?
Beto: Eu achei muito importante essa liberdade de expressão, ou seja, envolver em um projeto que possa ter alguma identificação, ainda mais com a TV Cultura, que tem um compromisso de informação, pesquisa, experimentalismo. O veículo foi decisivo para minha escolha.
Guia da Semana: Como foi a escolha do elenco?
Beto: Fiz questão de colocar uma videomaker, interpretada pela Marina Previato, junto com o ator Gustavo Machado. O resultado dessas três semanas é um filme que ela fez durante essa convivência. Queríamos chegar a um filme que se desenvolvesse ali dentro. Embora parecesse um reality show, eles não estavam confinados. Existia o rumor externo - ele ia ao teatro para as suas peças em cartaz. A ideia inicial era fazer um jogo que foi jogado com completo improviso. Sendo assim, os atores tiveram o mínimo contato com a equipe.
Guia da Semana: O projeto acabou sendo polêmico e teve forte repercussão. No fim, qual a impressão que ficou da obra?
Beto: Achei fantástico não só na hora da realização, porque estava como o diretor de TV, com oito câmeras robotizadas e cortando no momento em que estava realizando. Editei a vida deles lá dentro e isso já foi fascinante por estar usando os meios de televisão. Outra coisa que me encantou foi no momento da exibição, com 400 mil pessoas ligadas na nossa história.
Guia da Semana: Você sentiu alguma dificuldade com o projeto?
Beto: Tive que me dedicar muito, pois fiquei durante três semanas de plantão observando, à exaustão aquele cotidiano. Mas estava totalmente entusiasmado. Depois, na própria edição, foram geradas 150 horas e fiquei dois meses para fazer esse trabalho, muito pouco tempo para amadurecer. Gostei tanto que nesse segundo semestre estamos lançando uma versão em cinema, em uma montagem mais criteriosa, com 80 minutos. Deve estrear na mostra do festival do Rio, em 24 de setembro.
Guia da Semana: Você acha que a TV passa ou precisa passar por um processo de reestruturação?
Beto: Ela tem que abrir, precisamos de pluralidade. Se a TV tem um grande poder de exibição, as produtoras independentes têm que entrar nisso. Se exibirem só o que produzem, podem criar um controle ideológico muito nocivo pra sociedade. Essa iniciativa tem que ser ampliada por outros canais e todo mundo envolvido com esse projeto deseja continuá-lo.
Guia da Semana: Qual a diferença entre trabalhar com a TV e o cinema?
Beto: No cinema usaria somente uma câmera, exibiria aos poucos e em várias salas - já que a locação do filme é longa. Além disso, você tem um contato maior com o público, participa de debates, está mais perto. Na televisão é diferente, seu vizinho de parede pode estar com o aparelho ligado e você não saber. Outra coisa é que não tem o contato com o público, embora tenha a sensação de que seu trabalho está sendo emitido para muitas pessoas.
Guia da Semana: Na minissérie você mostra algumas cenas de nudez e foi criticado por isso. Como encara essas opiniões?
Beto: Isso é uma polêmica vazia. Se você assistir a minissérie toda vai ver que a nudez não foi colocada em nenhum instante de uma forma pornográfica. Existem programas em TVs abertas que passam em horários mais cedo e utilizam a imagem de uma maneira muito mais vulgar do que a gente utilizou.
Guia da Semana: Este seriado seria uma forma de criticar os reality shows e a espetacularização do cotidiano das pessoas?
Beto: Eu acho que tem sim. As pessoas que estão dentro de um reality show estão a fim de um prêmio, entram em um jogo para ganhar dinheiro. Elas expõem o seu lado mais falso, criam vínculos frágeis. A minha preocupação com o programa foi de colocar duas pessoas que querem se somar, construir uma ideia de como compartilhar aquele momento. O que acho interessante é que iniciamos um jogo onde colocamos um casal em situação igual, ninguém tem poder sobre o outro. De que maneira entramos na casa de tantas pessoas em São Paulo? Em um domingo à noite, ver a dinâmica de um casal que não existe relação de poder em um primeiro momento.
Guia da Semana: Pretende realizar novos trabalhos do gênero?
Beto: Tem o projeto de lançar em cinema a versão dessa série e vou fazer um outro filme que é justamente a adaptação daquele livro do Marçal, no ano que vem. Além disso, tem um documentário sobre a Jazz Sinfônica, que é produzida pela Drama Filmes e pretendo lançar em 2010.
Atualizado em 6 Set 2011.