Guia da Semana

Por Marco Esteves

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Tomar um inocente sorvetinho pode não ser tão simples assim...

Não vá me dizer que você nunca sentiu uma vontade absurda de comer alguma coisa em determinado momento. Acho que todos já tiveram esses desejos. Eu não sei exatamente o porquê, mas às vezes dou um azar danado quando resolvo matar uma vontade súbita em algum bar ou restaurante. Exemplos não faltam: o que deveria ser apenas um momento de prazer acaba se tornando uma trama nonsense onde, invariavelmente, sou um dos personagens.

Certa ocasião, naqueles aprazíveis fins de semana de verão (quando você não consegue ficar sentado no sofá de casa de tanto calor e o sol lá fora ameaça fritar um ovo na sua testa), resolvi tomar um sorvete com minha namorada. Ótima idéia, lá fomos nós a uma lanchonete bacana e simpática. Chegando lá, resolvemos pedir logo uma banana split.

Como os nossos gostos não combinavam muito, chegamos a um acordo comum como qualquer casal de namorados que se preze: eu pedi uma bola de chocolate e ela escolheu uma de flocos. Pedimos outra de creme, que era um sabor neutro e que ambos gostavam, para não haver nenhum conflito de interesses. Pedido feito e a bela e saborosa banana split não demorou muito a chegar.

Começou aí a comédia de erros. Logo de cara, vimos que no lugar da bola de chocolate tinha uma vistosa e vermelha bola de sorvete de... morango! Chamamos o garçom. Atencioso, ele disse que devia ter sido um "engano do pessoal". Deixamos por isso mesmo, já que o resto do sorvete aparentava não ter outros erros. Aparentava.

Meio a contragosto, comecei a saborear o sorvete de morango, enquanto minha companheira se entretia com o de flocos. Como morango não era exatamente meu sabor predileto, arrisquei a bola do meio, que deveria ser de creme. Dei algumas colheradas e achei o sabor um tanto duvidoso. A solução foi pedir para a namorada experimentar. Não restaram dúvidas: era um sorvete de creme com sabor de abacaxi.

Conversa vai, conversa vem, ela tentou me acalmar. Chamamos novamente o simpático e atencioso garçom. Mais que depressa, ele arrumou a explicação: acabara o sorvete de creme e o pessoal da cozinha resolveu substituí-lo por um de abacaxi. "Vai que o cliente não percebe", devem ter pensado eles. "A cor é igual. Com esse calor, não vai fazer diferença."

A explicação não foi lá muito adequada. Mesmo assim, dispensei o garçom e voltei ao sorvete. Fuça daqui, fuça dali, e nada de achar a tal banana. Já estava intrigado quando perguntei à namorada:
- "Escuta, você comeu a banana e nem deixou um pedaço pra mim?"
- "Ué" - respondeu ela - "pensei que você tivesse comido".

Revirei a banana split, destrinchei cada bola e, para minha surpresa, nada da banana. Chamei o garçom novamente. Mas desta vez, exigi a presença do gerente da casa. Um senhor baixinho, bem apresentado, veio ao meu socorro. Tentando demonstrar calma e tranqüilidade, falei:
- "Amigo, pedi uma banana split de chocolate, flocos e creme. Mas trouxeram uma banana split de morango, flocos e abacaxi. E sem banana!".

Tão atônito quanto eu, o gerente virou-se para o garçom em busca de uma resposta cabível. Ele, com sua presteza de sempre, respondeu:
- "É que acabou a banana. Mas, se o senhor quiser, eu trago um pesseguinho..."

Depois dessa comovente resposta, não me restou alternativa a não ser levantar e ir embora. Foram simpáticos, não nos cobraram a água e o refrigerante. E a vontade de tomar um sorvete naquela quente tarde de verão, subitamente, havia passado.

Quem é o colunista: Marco Esteves, sempre o personagem de alguma crônica gourmet.
O que faz: é jornalista e redator publicitário.
Pecado gastronômico: quem nunca cometeu nenhum, que atire a primeira jaca.
Melhor lugar do Brasil: depois que visitar todos, eu decido.

Fale com ele: [email protected].



* Foto de capa: www.photocase.de

Atualizado em 7 Ago 2012.