Guia da Semana


" Comfort Food" é o conceito de uma gastronomia que busca alimentar um passado através do sabor e do perfume de pratos que despertam as nossas lembranças gustativas. Eram receitas que ganhavam vida nas mãos de pessoas especiais, cujo ato de comandar as panelas acabava tornando-se uma confissão pública de amor.

Desses momentos nos restava o lambuzo gostoso daquelas sobras de chocolate, quando, muitas vezes, éramos os guardiões das "latas de leite condensado" e tínhamos como arma nas mãos a pequena colherinha de chá. Às vezes, o próprio dedo já bastava. Negas totalmente malucas muitas vezes também marcavam presença na cozinha. Era um ensinamento tão completo que, mesmo na infância, já aprendíamos a admirar os "bem-casados". Lembram do cheiro do bolo de fubá, dos bolinhos de chuva, da massa com feijão? E o que dizer da imagem daquelas panelas pretas e pesadas em cima do fogão a lenha aceso, aquecendo a todos que em sua volta permaneciam.

Eram momentos que nos proporcionavam uma imensidão de aromas. Um calor humano capaz de deixar os mais lindos lábios com água na boca, uma sensação insaciável que se abastecia da fartura de guloseimas... um ato de se alimentar que terminava abaixo da sombra da árvore mais fresca que estendia suas raízes para acolher o cansaço agradável que se dava pela preguiça que tamanho carinho nos fazia sentir.

Em tempos modernos, talvez há quem diga que viver nos dias de hoje esta cozinha que aquece a alma seja uma questão de insanidade sentimental, pensamentos ilusórios, sonhos fora de uma realidade imposta pelo cotidiano que se resume ao "tempo" como regra básica para aproveitar e planejar melhor o amanhã.

Porém, embora sobre "tempo" para preocupações, falta "tempo" para comandar as panelas. Embora sobre "tempo" para sentar à mesa em companhia da solidão, falta "tempo" para preencher a cadeira vazia na cozinha de quem muito aguarda a nossa chegada. Embora sobre "tempo" para decorar o ambiente com um fogão a lenha, falta "tempo" para deixar que as primeiras lenhas comecem a queimar. Embora sobre "tempo" para ir a uma praça de alimentação, falta "tempo" para tornar um hambúrguer, fritas e refrigerante algo tão especial.

Acredito que somos seres dependentes de sentimentos. Uma refeição precisa ter a presença viva das lembranças e dos momentos que se completam pelo aroma que perfuma os meus sentidos e pelo sabor que desperta a minha alma.

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Quem é o colunista? Chef Luiz Carlos Leboutte

O que faz: Chef do Il Quisi Ristorante

Pecado gastronômico: Usar arroz agulhinha para fazer risotos


Melhor lugar do Brasil: A música "Porto Alegre é demais" diz tudo

Fale com ele: [email protected]

Atualizado em 7 Ago 2012.