Guia da Semana

Você já comeu uma francesinha? Calma, não me leve a mal. Antes que você pense que estou sendo grosseiro ou leviano, explico. É que ultimamente ando pensando nos nomes estranhos que encontramos à mesa. Não me refiro aos ingredientes, mas sim aos nomes pelos quais alguns pratos são conhecidos. E, acredite, a gastronomia é pródiga em esquisitices.

Aceita cacetes e caralhotas para acompanhar?
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Descobrir isso pode ser uma tarefa divertida. Temos um universo enorme para conhecer e saborear. E olha que essa não é uma particularidade brasileira. Quando encaramos a culinária portuguesa, é preciso cuidado. Uma rápida olhada no cardápio de um restaurante português pode fazer você cair na gargalhada - e o garçom não vai achar nenhuma graça.

No Brasil, a coisa já é um tanto delicada. Temos bons exemplos nos pratos típicos de algumas regiões do país. Em Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, por exemplo, é comum a Sopa Paraguaia. Certa vez passei as férias na fazenda de um amigo esperando o dia inteiro pela tal sopa. Fiquei surpreso quando fomos jantar e vi que a Sopa Paraguaia é, na realidade, uma torta recheada de ovos, cebola e queijo.

Se você já visitou os estados do Sul, talvez tenha comido Barreado. Sabe do que se trata? É outro prato típico, com camadas de carne e toucinho cozidos em uma panela de barro, tudo misturado com farinha de trigo. Já nas redondezas de Goiás e Tocantins, você pode apreciar uma deliciosa Roupa Velha, que nada mais é do que carne-de-charque ou sobras de carne assada frita com farinha de mandioca.

No quesito nomes estranhos, porém, as Regiões Norte e Nordeste do país são quase imbatíveis. Não sei dizer o porquê dos nomes, se é devido a sua origem ou algo do tipo. Mas fico imaginando quem batizou pratos como o Tacacá no Tucupi, Mungunzá ou o bom e velho Xinxim de Galinha. Espero que não tenha tido a mesma criatividade na hora de batizar os filhos.

Agora, se você quer realmente conhecer nomes esquisitos, volto a dizer que não há nada igual à deliciosa cozinha portuguesa. Se os pratos elaborados por nossos descobridores freqüentemente nos fazem comer de joelhos, os nomes dados a eles às vezes também nos colocam de joelhos, mas de tanto rir.

Punheta de bacalhau?
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É lógico que a singularidade da língua ajuda. O que para nós é uma coisa óbvia, para eles pode parecer uma afronta. E vice-versa. Bons exemplos não faltam, tanto cá quanto lá. À mesa, então, nem se fala. Coisas simples podem tomar formas inusitadas. Toda boa refeição portuguesa é acompanhada de cacetes ou caralhotas. Se em alguma visita a Portugal lhe oferecerem isso, não se ofenda. É apenas nosso singelo pão, para acompanhar a refeição. Para abrir o apetite, uma sugestão que pode dar muito prazer é a Punheta de Bacalhau. Vale chamar os amigos e, entre uma cerveja e outra, todos experimentam uma boa punheta. Você não gosta? Pois eu adoro. A receita é simples: um bacalhau desfiado em pequenos pedaços, temperado com cebola, alho picado e pimenta moída, regado com azeite e vinagre. Uma verdadeira delícia.

Aqueles que apreciam uma entrada para aquecer o corpo encontram na Sopa de Grelos uma opção tentadora. Eu recomendo. É uma sopa saborosa, cujos ingredientes são, basicamente, legumes variados e um bom tempero, que cada um dosa de acordo com seu gosto.

Como prato principal, vale provar uma iguaria típica da região norte de Portugal, o tradicional Arroz de Pica no Chão. Aos desavisados, devo explicar que não é um prato leve, e talvez cause certa indisposição à maioria. Trata-se de um bem condimentado arroz feito com toucinho, galinha e temperos diversos. Embora saboroso, acho recomendável evitar o Pica no Chão à noite. Você pode ter dificuldades em levantar no dia seguinte.

Para encerrar nosso menu português, experimente um dos diversos doces feitos à base de ovos, uma tradição herdada dos muitos conventos espalhados pelo país. As Barrigas de Freira são uma tentação. Costumam ser macias e saborosas. E melhor ainda acompanhadas de um Licor de Merda, cuja fórmula remonta ao final do século XIX.

Ficou confuso? Mas é isso mesmo que você leu. Essa é uma bebida elaborada com leite, baunilha, cacau, canela e frutas cítricas. Tome cuidado apenas na hora de servir. O licor costuma formar um depósito no fundo da garrafa. Se você virar de uma vez, pode espalhar Merda por todo o lado. E isso seria um desperdício.

Enfim, por essa pequena amostra você percebe que o vocabulário gastronômico é tão rico quanto inusitado. E, quando encaramos outras culturas, essas diferenças saltam aos olhos. Eu mesmo me surpreendi em minha última visita a Portugal, quando via em diversos restaurantes a placa: "Temos Percebes". Percebes? É uma espécie de crustáceo, uma variedade de mexilhão que não tive a oportunidade de experimentar.

A propósito, a Francesinha eu já comi. E era deliciosa. Trata-se de um prato típico do Porto. Na realidade, é um sanduíche feito com duas fatias de pão de fôrma, recheado de fiambre, lingüiça portuguesa, carne de vaca ou de porco fatiada, coberto com queijos e um molho especial por cima de tudo. E ainda pode vir acompanhado de batatas fritas, se o cliente assim o desejar. Eu dispensei as batatas. Mas nunca mais esqueci a Francesinha.

Leia as colunas anteriores do Marco:
? Vale quanto pesa (II): até quanto vale a pena pagar por uma refeição dos deuses?
? Vale quanto pesa (I): e por uma bebida divina?
? Garçons, manobristas e situações inusitadas: as gafes de garçons e manobristas, às vezes, fazem valer a noite
? Questão de bom senso: por que é tão difícil ser justo quando se trata de comida?



Quem é o colunista: Marco Esteves, sempre o personagem de alguma crônica gourmet.
O que faz: é jornalista e redator publicitário.
Pecado gastronômico: quem nunca cometeu nenhum, que atire a primeira jaca.
Melhor lugar do Brasil: depois que visitar todos, eu decido.

Fale com ele: [email protected].



Atualizado em 7 Ago 2012.