Guia da Semana

Foto: Sxc.Hu

Era um restaurante aconchegante, com flores na janela, velas nas mesas e poesia nas paredes. No lugar, flutuava uma luz dourada. Quem saía, ia rodeado daquela luz. E quando as pessoas chegavam em casa, no trabalho ou em qualquer outro lugar, os espaços enchiam-se daquele mesmo dourado. A cidade iluminava-se.

Assim, em forma de sonho, meu inconsciente trouxe a mim o desejo de ter um restaurante. E não um restaurante qualquer: seria um lugar de luz. Entendi como se uma espécie de chamado desse-me instruções precisas sobre o quê fazer.

Trabalhava em grandes escritórios e, recentemente, havia passado maus bocados com um chefe - a maioria dos leitores, em algum momento da vida, soube o que é esse suplício. A situação levou-me ao extremo de pedir demissão sem ter para onde ir. Tinha casamento marcado e meu futuro marido também estava desempregado. Um salto no escuro.

E aí vem o sonho com a luz.

É verdade que sempre gostei de cozinhar. Aos 10 anos, por minha insistência, a faxineira baiana da minha mãe ensinou-me suas especialidades. Nunca mais parei.

Enchi-me de coragem, elaborei a ideia em terapia, conversei com os amigos e a família. Levou meses para convencer o meu marido e a mim mesma que, apesar de parecer mais sensato continuar investindo na antiga carreira, minha definição de sucesso incluía ter prazer.

Meses depois, estava eu na melhor escola de gastronomia do Brasil. Aquele seria o melhor ano da minha vida: sem preocupações, somente preparando-me para realizar o meu sonho - literalmente.

Na prática, o idílio foi por vezes infernal. Fiquei sem caixa, sem energia, sem certezas. Explico: a gastronomia está na moda e o glamour atrai muita gente que acredita em sucesso fácil. Para essas pessoas, ser chef é como ganhar o Big Brother: uma promessa de dinheiro e notoriedade sem esforço.

A competição desnecessariamente estressante na sala de aula e nas cozinhas onde trabalhei parecia roteiro de reality show. Meus colegas achavam-se grandes talentos, tinham uma variação de humor desconcertante, muita vaidade e certa empáfia (semelhanças com o BBB?).

Cerca de 12 horas de trabalho diário em pé, num calor insuportável, com uma única folga na semana, ganhando mal, sem finais de semana e feriados, trocando a noite pelo dia, com dores crônicas nas mãos, braços e pernas, suja, suada. Uma prova de resistência? Onde está o glamour??

O dia-a-dia das cozinhas não faz paralelo com a ilusão de status construída pela mídia. É um trabalho pesado e pouco remunerado, que ninguém deveria fazer, não fosse por absoluta paixão. Nem o proprietário faz pilhas de dinheiro. Se você faz um bom nome, o que enriquece são as participações em eventos, campanhas publicitárias...

Felizmente, haverá sempre quem trabalhe por força do entusiasmo e não por força dos holofotes, seja onde for. Eis a luz.

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Jantar do século: bastidores, impressões e divagações


Comer com prazer

Quem é a colunista: Com formações em Publicidade e Gastronomia, Rosa Fonseca é hoje colunista e banqueteira.

O que faz: Compõe a cozinha do Félix Bistrot, restaurante francês. Paralelamente, também é redatora e consultora de comunicação.

Pecado gastronômico: Chocolate.

Melhor lugar do Brasil: Florianópolis.

Fale com ela: [email protected]

Atualizado em 7 Ago 2012.