Guia da Semana


Coisa que não costuma dar certo, mesmo no Brasil, é imitação. Copiar hábitos, costumes, maneirismos e estilo de vida de povos "ditos" mais cultos e civilizados acabam caindo no ridículo.

O mesmo não poderia deixar de acontecer com o "vinho". Bebida milenar e sofisticada, está inserida no nosso contexto cultural, religioso e gastronômico desde o princípio da nossa história como nação. Comumente reservado para ocasiões ou dias festivos, o vinho ainda não emplacou na mesa do brasileiro.

Quero com isso lançar uma discussão: Por que, a despeito do desenvolvimento econômico, das raízes européias, do mercado globalizado, que facilita a circulação de mercadorias, e o aumento da produção nacional, ainda assim o vinho não é adotado como bebida preferida pela maioria dos brasileiros ?

Sem a pretensão de ter a última palavra sobre a questão, vou tentar relacionar algumas das possíveis causas:

O preço: Vinho bom não tem que necessariamente ser caro. Exemplo recente é o advento da importação dos vinhos chilenos e argentinos, que são de excelente qualidade a preços honestos. Só não são suficientemente acessíveis porque a incidência de impostos previstos para bebidas alcoólicas é alto.

Os vinhos ruins: Demos azar, pois os vinhos comuns são bem ruins e acabam por fazer uma propaganda negativa do produto. Ninguém merece!

O clima Quando europeus ou americanos desejam consumir algum produto importado de outras culturas, eles não se acanham para exigir adaptações dos produtos aos seus costumes e preferências. Não seria o caso de também produzirmos um vinho com a nossa receita, de mais baixo teor alcoólico, ou dar maior destaque aos espumantes, já que o brasileiro gosta de bebericar?

Aprender com o sucesso do concorrente: Quero lembrar o sucesso de outra bebida cuja versão moderna é de origem européia, mas que deu certo no Brasil. Falo da cerveja. Embora o Brasil não esteja entre os maiores consumidores per-capita da bebida por questões econômicas, nas regiões mais ricas do País o consumo se equipara ao dos grandes consumidores europeus. Ninguém tem dúvida que a cerveja emplacou por aqui! Isto se deve ao fato de os fabricantes compreenderem as características e os hábitos do nosso público consumidor e a partir disso adaptar a receita da cerveja ao gosto do brasileiro. Note que isso é o contrário de querer "ensinar" o público brasileiro a tomar cerveja. As cervejarias "aprenderam" a fazer uma bebida que caiu no gosto do público. Entenderam que diferentemente dos europeus, o brasileiro bebe cerveja para matar a sede, para se divertir, para confraternizar, tudo, menos "degustar". Por isso, cervejas fortes, de cor escura, paladar pronunciado e alto teor alcoólico têm um consumo bem restrito. A indústria cervejeira percebeu que deveria fazer uma cerveja clara, suave e que ficasse gostosa à baixas temperaturas, pois estamos num país tropical. E ninguém ousa dizer, nem mesmo na Europa, que nossa cerveja não é boa, não é? Talvez se os produtores e importadores de vinho atentassem para esses pormenores poderiam inserir novos conceitos na produção e na propaganda de comercialização dos vinhos.

O despropósito: Essa vou tentar explicar contando uma história: Passeando com um casal de amigos por uma praia ensolarada do litoral do Rio de Janeiro, onde fazia mais de quarenta graus, entramos em um restaurante bonito, bem decorado, fechado hermeticamente por funcionar com um eficiente sistema de ar-condicionado. Garçons impecavelmente trajados de terno nos rodeavam com a mais fina presteza, onde nos fora sugerida uma afamada "truta". Na hora de pedir um vinho branco, fomos atendidos por um atencioso "somellier" que após a indicação trouxe da adega climatizada um memorável "sauvignon blanc" . Obviamente estava tudo muito bom.

No outro dia escolhemos um restaurante vizinho, todo aberto, com vista privilegiada para o mar, boa música, casquinha de siri de entrada, maravilhosos croquetes de peixe, um grelhado de badejo com legumes e molho de frutas tropicais inesquecível e para acompanhar um espumante servido num balde de gelo que "não deu para o cheiro". Não sei por que, mas toda vez que voltamos lá, só queremos aquele badejo, aquele espumante, naquele restaurante! Vai entender, né?

A disseminação da cultura "aristocrática" do vinho: Trata-se da "europeização" dos protocolos e cerimoniais que compõem a cultura do vinho que por aqui não funciona. Toda vez que alguém tenta desenvolver uma degustação ou organiza uma exposição, tenta-se atribuir uma feição aristocrática ao evento. Já que na Europa (onde o hábito de consumir vinho não tem nada de aristocrático e que está inserido nos hábitos da população por milhares de anos) se enfatiza as características organolépticas do vinho, suas formalidades e seus rituais querem fazer o mesmo por aqui. A coisa já começa pegando mal logo no início. O cidadão comum que está tendo a oportunidade de conhecer o vinho nesta fase de prosperidade da economia brasileira já vai logo desistindo por achar que é muita frescura pro seu gosto.

Concluindo: Não quero dizer que o esforço em promover e desenvolver nossa indústria vinícola, bem como a mídia voltada para os negócios do vinho, não deva continuar enfatizando os aspectos sofisticados e ritualísticos que envolvem o consumo desta nobre bebida. Difundir e ensinar as boas maneiras de se usufruir dos atributos do vinho faz parte desta evolução. Mas, quando a divulgação do hábito de consumir vinho for dirigida para este importante segmento da população que ainda não descobriu os prazeres do vinho, deve ser levado em consideração suas características e hábitos, bem como seu perfil de consumidor. Consumidor este que gosta de beber para confraternizar, se divertir, matar a sede e não se liga muito em rituais, cerimônias e formalidades.

Quando este consumidor descobrir como o vinho é maravilhoso, começará a entender por que uma taça é mais apropriada para beber vinho do que um simples copo ou por que é tão importante consumir vinho na temperatura ideal.

A partir daí desenvolverá o apreço pelas harmonizações com os pratos, o que necessariamente não significa copiar os critérios europeus, pois nossa maneira de cozinhar e nossas preferências gastronômicas são diferentes e exclusivas.

Quem conseguir verificar estas peculiaridades obterá grande vantagem competitiva. O empenho em promover encontros e eventos de divulgação, ensinamentos e degustação me parece ainda aquém do suficiente. Verdadeiramente ainda há muito a ser feito para o vinho emplacar de verdade!

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Quem é o colunista? Chef Luiz Spagnolli

O que faz: Consultor em gastronomia e negócios da alimentação

Pecado gastronômico: A combinação "Cuarto de quadril + Malbec"

Melhor lugar do Brasil: Paraty - RJ. É claro!

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Atualizado em 7 Ago 2012.