Guia da Semana

Ilustração: Patrícia Moll Novaes

Toda vez que volto de viagem é a mesma coisa. Volto também para as frutas nossas de todo dia. Mamão, laranja, maçã... Admito que já não as devoro com a mesma emoção que sinto ao provar umbus, cajus e tantas outras maravilhosas frutas do nordeste brasileiro. Com licença, brasileiríssimas e também deliciosas são as jabuticabas da fazenda em Dourado, no interior de São Paulo, que tanto faziam minhas férias felizes. Mas hoje a pauta é outra: as frutas que provei na Bahia e que aqui, na maior metrópole do país, são difíceis de achar com o mesmo sabor e consumir com os mesmos rituais que elas carregam.

O engraçado foi que as frutas que mais me impressionaram - banana-da-terra, caju, jaca e umbu -, com exceção da jaca, são todas nativas (que orgulho!). A jaca é originária da Índia, mas encontrou nos solos tropicais clima perfeito para reprodução e se espalhou por todos os países tropicais do mundo. O mesmo aconteceu com a banana, que nasceu na Ásia e se disseminou pelos solos do planeta. O curioso (e que eu adorei descobrir) é que a banana-da-terra é a única variedade de banana de origem nacional. Já o umbu e o caju também são 100% brasileiros.

Todas estas frutas me marcaram muito e me trouxeram dificuldades de adaptação na volta para São Paulo. Tal como o coentro, minha querida erva injustiçada, eu não imaginava que teria problemas para encontrá-las por aqui. A banana-da-terra de São Paulo é praticamente outra fruta, bem menos saborosa do que aquela que eu consumia de diversas formas ao longo do dia, em quase todas as cidades por onde eu passei na Bahia. Lá ela está presente pela manhã, cozida ou frita, acompanhada de café com leite. No almoço e no jantar, em purês, farofas ou dentro dos cozidos, acompanhando carnes e peixes. O que seriam das minhas refeições daqui para frente?

Com o caju, a crise foi outra. Aprendi com os nativos, logo na minha primeira viagem à Bahia, quando ainda era criança, que ele tem que ser comido no pé! É óbvio que toda fruta colhida na hora é mais fresca e gostosa. Porém, posso garantir que o caju é um caso especial! Por ser adstringente e dar a sensação de "pegar na boca", a técnica que me ensinaram para consumí-lo consiste, em primeiro lugar, em tirar a castanha - que é venenosa - e em seguida dar uma mordida, sorver, mastigar e cuspir. E fazer isso repetidamente até acabar o suco. Simples, não é? Mas faz toda a diferença. Comprar a fruta aqui não é uma tarefa difícil, mas onde é que eu vou achar um pé de caju? Será que terei de apelar para as compotas, doces e cajuínas para saciar minha vontade?

Outra fruta que me fascinou, por trazer um ritual bastante lúdico e divertido foi a jaca, que até então, eu nunca tinha experimentado. Enorme (algumas chegam a pesar mais de 50 quilos) e de cheiro extremamente doce e forte, lembro que fiquei impressionada com a quantidade de pessoas que se reuniram e se debruçaram em volta dela para dividir e traçar seus bagos. Por serem gosmentos, percebi que o ato é praticamente uma brincadeira para a criançada, que faz a maior meleca e depois precisa lavar as mãos no óleo para tirar toda a baba. Eu jamais vou conseguir reproduzir a grande festa que foi aquele dia, em uma comunidade rural em pleno Recôncavo Baiano. E o mais interessante foi que eu descobri que a região tem nesta fruta um alimento de subsistência, muito nutritivo e encontrado com abundância. Até o caroço é aproveitado: depois de cozido e descascado, vira uma massa bastante saborosa.

Tomar uma umbuzada foi a primeira tarefa que fiz ao chegar em Serrinha, no sertão baiano. O suco, preparado com esta pequena fruta redonda e verde-clara, de casca fina, ganhou tamanha fama que virou ponto turístico da cidade. Servido geladíssimo, em pleno calor de fevereiro, entendi perfeitamente porque virou ícone regional. Entre tantos lugares que visitei e conheci, sem dúvida, estas iguarias locais vão me ajudar a manter para sempre na memória momentos deliciosos e a me teletransportarem imediatamente para a Bahia das mangabas, seriguelas, cacaus, cajás e tantas outras frutas inesquecíveis que descobri por ali.

Leia colunas anteriores de Patrícia Novaes:

? Injustiçado


? Farinha: da mesa às melodias


Quem é a colunista: Patrícia Moll Novaes

O que faz: Jornalista e assessora de imprensa de gastronomia

Pecado gastronômico: Café da Manhã

Melhor lugar do Brasil: Rio e Recife pela vida cultural, Trancoso pela tranqüilidade e Jericocoara pela beleza.

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Atualizado em 7 Ago 2012.