Guia da Semana

Foto: Divulgação

Ele era para ser só mais um, em uma cidade com seus quase 11 milhões de habitantes. Nada o destacava, em uma metrópole que tem quase 20% de sua população vinda de cidades próximas a dele. Mas, sabe-se lá por que, algumas pessoas parecem terem sido escolhidas para dar certo. Predestinadas ao sucesso, conseguem crescer em uma sociedade cada vez mais sem espaço. Estão no momento certo na hora certa, falam com as pessoas certas. E, quando olham para trás, lá no começo de toda essa história, percebem que, de um jeito ou de outro, venceriam.

Se você pensou em Alex Atala, quase acertou. O chef pop também merece reconhecimento pelo seu trabalho à gastronomia brasileira. Mas o personagem principal desta história é um desconhecido Geovane Carneiro, "com dois Es", diz, timidamente, durante uma visita do Guia da Semana ao restaurante D.O.M, eleito um dos 50 melhores do mundo pela revista Restaurant Magazine, da Inglaterra.

A história desse nordestino, de uma cidadezinha perto de Feira de Santana, começa em 1994, quando ele chega a São Paulo, Céu de Brigadeiro de muitos nordestinos como ele.


Introdução
Carente de heróis, o Brasil chorava a perda de seu maior ídolo, Ayrton Senna. Na política, alimentava-se o sonho de um dia viver sem inflação, com os primeiros passos do plano Real. Romário e Bebeto encantavam lá na frente, enquanto Taffarel, ajoelhado, comemorava o pênalti mandado para cima por Roberto Baggio.

Entre alegrias e tristezas pelo País, o subchef do D.O.M chegava à capital da gastronomia, com fome, depois de uma longa viagem. Na bagagem, algumas lembranças de dona Maria de Lurdes e José Marques, mãe e pai, que deixou com saudades por lá.

O apetite por vencer, em uma cidade que assusta até quem nela nasceu, foi o combustível para a outra viagem que ali começava. "Fiquei na casa de um primo", lembra Geovane ou apenas "chef", como hoje se refere Atala. A ligação com a gastronomia não foi lá muito apetitosa no início. Começou trabalhando em um bar - leia boteco mesmo - no Largo da Batata, em Pinheiros. Passava o dia na chapa, fazendo lanches, servindo salgados.

Foram três anos nisso. Inevitavelmente, fez amigos pela região. Um deles era cunhado de um jovem Michel Darquè, que estava abrindo um restaurante com outro "aventureiro" das panelas chamado Alex Atala. "Ele (amigo mecânico) me disse para ir lá falar com ele (Darqué)". Na "entrevista", o chef francês perguntou se ele queria trabalhar de copeiro. A resposta foi simples e direta, como segue até hoje quando lhe perguntam qualquer coisa: "Sim, quero". E ponto!


Capítulo I
O novo emprego de Geovane agora tinha um nome, ou melhor, um número: o 72, casa que já nem existe mais. "Comecei lavando pratos", recorda. O trabalho era mais leve, o que permitia, nas horas vagas, dar uma escapadinha para junto ao fogão olhar, observar, aprender como se prepara isso e aquilo.

As brisas da sorte, que sempre sopram para quem trabalha, voltaram-se novamente para Geovane em um Dia dos Namorados. Para quem não sabe, é uma das datas de maior movimento em um restaurante. O pior que pode acontecer a um dono de restaurante é o seu cozinheiro faltar. Pois foi exatamente o que aconteceu com Atala. E foi aí que..."ele olhou para mim e disse: vai que é a tua chance". Segurou a bronca naquela noite e ganhou a confiança de todos.

Capítulo II
Dessa história, Michel Darqué já não é mais personagem. Ele deixou a sociedade com Atala alguns anos depois. Hoje é dono de sua própria casa, o L´Atelier Michel Darqué. Geovane, porém, seguiu com Atala, ou não haveria problemas em dizer que Atala seguiu com Geovane.

O numérico 72 não foi tão longe quanto a parceria dos dois. Alex fechou o restaurante para abrir o D.O.M. Ele, nada bobo, levou seu subchef para "seu clube", para comandar o local enquanto estiver gravando propagandas, dando entrevistas ou viajando para conhecer algum outro restaurante, como o mágico El Bulli, local das invenções de Ferran Adrià.

Em duas delas, aliás, foi acompanhado de Geovane, que comeu todas aquelas coisas, meio que sem entender muito bem. "Você pensa naquilo e num é aquilo", confunde-se todo.


Um só personagem
Por falar em comida, essas coisas que o Atala inventa e que todo mundo adora também num é lá a comida preferida dele...do Geovani. "Gosto de um arrozinho com feijão e farofa".

Mas hoje já há pratos que ele... o Atala...criou e que ele...o Geovani...faz melhor. E também têm pratos que ele...o Geovani...criou e que ele...o Alex...adora, assim como seus clientes...do Atala..., pois foi colocado no menu do D.O.M. É o Atum ao gergelim com sauté de palmito fresco e cogumelos.

A relação hoje em dia, 11 anos depois, não tem capítulo final e também já não é mais de chefe e funcionário ou chef e subchef. "É uma amizade mesmo", conta ele. Às vezes, quando sobra um tempinho, um passa na casa do outro; também testam juntos as novidades do restaurante. "Só de olhar, um já sabe o que o outro quer", diz.

Nem sempre! Durante a visita do Guia da Semana, Atala veio perguntar se precisávamos dele para alguma coisa.

Não, não! Hoje, o protagonista é o Geovani, que ainda tem mais outra entrevista a dar antes de voltar ao trabalho. Nada mal para quem chegou em São Paulo sob o risco de ser só mais um desconhecido.

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Da Cozinha para a Sala
Nome: Geovane Carneiro

Idade: 33 anos

Estado Civil: Casado com Maria Alves Moreira

Pai de: Geovane Carneiro Júnior, 05 anos

Mulher bonita: Maria Alves Moreira

Time de coração: São Paulo Futebol Clube

Música: Sertaneja

Um prato que não esquece: São muitos

Um prato (comida) que deseja esquecer: Mamão, porque um caiu na minha cabeça quando eu era criança

O melhor lugar do mundo: A minha cidade

Uma personalidade que mandaria ao fogão: (Risos). Melhor deixar pra lá.

Atualizado em 7 Ago 2012.