Guia da Semana

Por Viviane Aguiar


Aquela bala escondida há tempos no fundo da bolsa, que sempre salva um momento de ansiedade ou de loucura por glicose, geralmente vem acompanhada de um ingrediente intruso: o papel grudado. Enquanto muita gente fica horas tentando desgrudar a maldita embalagem, pedacinho por pedacinho, outros, menos pacientes, não perdem tempo e, simplesmente, devoram o doce com papel e tudo.

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O gosto, vá lá, não é dos mais agradáveis, mas até que dá para agüentar. Chupar bala com papel, sinônimo clássico de coisa chata e sem graça, só vira mesmo um problema se o comensal pensar na quantidade de micróbios acumulados sobre o invólucro e, pior, na data de validade do ingênuo doce. Com a vontade de acabar com esses problemas - que vão muito além do sabor insosso - alguns pesquisadores brasileiros têm investido na produção de embalagens comestíveis.

A engenheira química Cynthia Ditchfield é uma delas. Neste ano, ela desenvolveu na Universidade de São Paulo, um projeto de criação de papéis-filme biodegradáveis que, além de substituir os plásticos, também têm um gosto adocicado. "A preocupação era fazer algo que ajudasse a diminuir o impacto ambiental causado pelo plástico e que, ao mesmo tempo, fosse ativo para interagir com os produtos embalados", explica Cynthia.

Arquivo - Cynthia Ditchfield
O filme comestível é mais escuro
porque tem cravo e canela
O fato de ser comestível, portanto, é apenas uma das vantagens dessas embalagens do futuro - próximo, por sinal. O mais importante é o fato de que elas aquietam uma das maiores preocupações de cientistas em todo o mundo: a degradação de todo o plástico sintético usado no planeta, que demora séculos para acontecer. O material biodegradável, feito a partir de compostos orgânicos, é uma solução viável que agrega, ainda, nutrientes ao alimento envolvido por ele. "As embalagens são feitas de amido de mandioca e açúcar e, em alguns casos, também por cravo, canela ou café, que conservam mais os alimentos", diz a engenheira química, que completa. "Ela é um pouco doce e, quando tem cravo e canela, tem gosto de cravo e canela, claro".

Arquivo - Cynthia Ditchfield
Papel com pão: o filme
comestível tem 1,10 mm de espessura
Segundo ela, a conservação dos produtos embalados é outro grande benefício trazido por sua criação. Feito de material antimicrobiano, o filme permite que alimentos como pães e torradas durem bem mais que os embalados nos filmes-plásticos atuais. "Os compostos são resistentes aos micróbios de decomposição e substituem os aditivos químicos que, geralmente, são adicionados aos alimentos para os conservarem melhor", afirma. Adequada, no início, para proteger pães e torradas, a embalagem de Cynthia precisa de algumas melhorias técnicas para ter condições de chegar ao mercado. "Ela tem alguns problemas - não pode entrar em contato com a água, por exemplo - e precisa de alguns ajustes", opina a engenheira química, que tem seu projeto apoiado pela indústria de panificação Pullman - conhecida pela linha de pães de fôrma que, provavelmente, serão os primeiros a chegar às lojas envolvidos por embalagens comestíveis.

Papel com pão
Muito antes de Cynthia, um grupo de pesquisadores da Universidade Estadual de Campinas, Unicamp, já havia tido a idéia de fabricar as tais embalagens biodegradáveis e comestíveis. Liderada pela professora Florência Cecília Menegalli, a engenheira agro-industrial Delia Tapia fez parte do projeto e acaba de defender sua tese de doutorado baseada nele. "A pesquisa do papel-filme comestível começou em 2001, a partir de um cereal peruano, e continuou em 2003, quando a Embrapa passou a produzi-lo no Brasil", diz ela.

Arquivo - Delia Tapia
Filme de amaranto: transparente
por só conter farinha
Diferente do estudo da Usp, o de Delia não teve apoio de indústrias do setor e é feito a partir da farinha de um cereal andino chamado amaranto. "Esse cereal é muito nutritivo, é fonte de proteínas, tem aminoácidos que outros não têm. Ao invés de usar apenas o amido dele, optamos pela farinha, que é uma mistura de amido, proteínas e lípidos", explica Delia. Sua embalagem comestível, própria para conservar alimentos secos como frutas, grãos e produtos desidratados, assim como a de Cynthia, não foi feita para servir de primeiro invólucro aos alimentos.

"Esses filmes serão usados sempre como embalagem secundária por questões higiênicas e pelo risco de contaminação ao ficarem expostos no mercado, por exemplo", explica ela. Protegida por uma espécie de papel, a parte comestível seria atingida apenas pelo comensal e, mesmo que não fosse consumida, agiria de forma positiva tanto no meio ambiente quanto na conservação dos ingredientes. "Essas embalagens ainda estão em teste e falta apoio da indústria para que se tornem realmente viáveis. Por isso, é difícil dizer quanto já estarão disponíveis para o grande público", alerta Delia.

Tira-dúvidas
Veja o que Cynthia Ditchfield e Delia Tapia respondem a algumas dúvidas básicas sobre as embalagens comestíveis

  • Como seria, afinal, uma embalagem comestível? Elas são feitas a partir de compostos orgânicos, como amido ou farinhas, e portanto são biodegradáveis.

  • Por que inventar uma embalagem comestível? Além de contribuírem com a diminuição da degradação ambiental provocada pelos plásticos sintéticos, elas ajudam a conservar os alimentos por serem feitas de agentes antimicrobianos, que substituem aditivos químicos.

  • Elas ficariam expostas em gôndolas de supermercado? Não há risco de contaminação? Sim, há riscos e, por isso mesmo, elas são feitas para serem embalagens internas dos alimentos. Por fora, viria um invólucro de papel ou de outro material também biodegradável para proteger contra a contaminação de agentes externos.

  • Qual é a vantagem de comer uma embalagem? Os alimentos terão um sabor mais doce, mas mesmo que não sejam consumidas, as embalagens já ajudam por conservar os produtos e substituirem o plástico em larga escala.

  • Já existem embalagens semelhantes? As únicas existentes no mercado são as balas japonesas, feitas de celulose. Não é possível afirmar que as embalagens de chicletes sejam comestíveis.

  • Quando chegará ao mercado? Não se sabe a data correta, pois existem ainda reparos a serem feitos nas embalagens para que se tornem realmente próprias ao consumidor. O provável é que, em um primeiro momento, elas sirvam para envolver pães, torradas, grãos e alimentos secos ou desidratados.



  • Atualizado em 7 Ago 2012.