Guia da Semana

Todo restaurante que se preze tem o prato da casa, aquele que faz um sucesso estrondoso entre os clientes, pedido e repetido várias vezes, conquistando uma legião de fãs. Alguns alcançam fama tão gloriosa que já fazem parte da história da gastronomia, das suas cidades e do país.

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Um clássico nacional: O filé Oswaldo Aranha

Vide o filé Oswaldo Aranha. O suculento bife de alcatra feito apenas no alho e no óleo e servido com fritas à portuguesa, aquelas bem fininhas, redondas e crocantes, é encontrado hoje nas mais diversas mesas do Brasil. A criação tem certidão de nascimento registrada: é um pedido do então diplomata e senador gaúcho que batia ponto no pequeno salão do restaurante Cosmopolita, bem no coração da Lapa carioca, no ano de 1934. "Hoje em dia até servimos o prato um pouco diferente, pois trazemos todos os elementos separados, o senador gostava do filé separado e o resto misturado", comenta comumente Juan Escobar, proprietário da casa. Além das fritas, acompanham o prato arroz e farofa.

Outros nasceram sem certidão, caíram no gosto popular e levantaram impérios gastronômicos. Na década de 1960, uma pequena loja na Rua da Consolação fechou e deu espaço para um restaurante de cardápio variado e forte nas carnes. Na época, a região era conhecida como Boca do luxo, devido à concentração de boates grã-finas, o nome das baladas de então, e em oposição à Boca do Lixo do Centro velho.

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Uma dourada bisteca como essa só no Sujinho

O movimento era tão grande que nem dava tempo dos garçons limparem as migalhas deixadas pelo couvert. No menu, um dos pratos mais pedidos era um corte típico no sul do país e trazido pelos primeiros proprietários portugueses. A bisteca suculenta, um pedaço de mal caminho, servida com molho vinagrete, arroz e farofa.

É claro que estamos falando do Sujinho e sua Bisteca D'Ouro, que ganhou sobrenome e o imaginário de milhares de paulistanos e viajantes, nacionais e internacionais, que divulgam o prato. A Consolação perdeu o trono da badalação, mas o Sujinho continua firme e forte. São dois restaurantes na rua, além de um no Centro. A mais nova criação do grupo é a Hamburgueria Sujinho, reatualizando a importância da casa para as novas gerações.

Sabor sem segredo

Mas, afinal de contas, o que faz um prato ter tanto sucesso? Para o espanhol Ricardo Villar é não ter segredo. "Fazemos a mesma coisa há mais de quarenta anos, sem mexer na receita. Eu mesmo corto o pão, como qualquer funcionário. Aqui é tudo é artesanal e feito no olho", comenta o dono do Cervantes, bar e restaurante (não necessariamente nesta ordem) que comanda as tardes e noites do Lido, início de Copacabana.

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Campeão carioca: o sanduba de pernil com abacaxi do Cervantes

Filas e mais filas formam-se nas duas entradas da casa atrás dos sanduíches e das saladas frias, ideais para o pós-praia e o pré/pós-balada. A receita surgiu com a casa, então uma mercearia de bairro na década de 1940 comprada por Ricardo e seu irmão. São 800 sandubas por semana, todos com a possibilidade de levarem queijo e abacaxi. Os campeões em venda são os sanduíches de pernil com abacaxi (adocicado no ponto e sem nenhum traço de acidez), e o de filé mignon com queijo. Entre as saladas, o salpicão de presunto tem disparada vantagem na memória gastronômica da clientela. E não adianta fazer em casa que não fica igual.

Também estrangeiro é o sabor da lasanha verde ao molho bolonhesa servida no Gato que Ri. A casa, aberta pela italiana Dona Amélia mantém a mesma receita desde a inauguração, em 1951, no largo do Arouche, no Centro de São Paulo. São cerca de 200 pratos por semana.

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Receita da Dona Amália é a principal saída no Gato que ri

A massa é feita lá mesmo. Para adquirir a tonalidade, espinafre batido e um realçador para homogeneizar. O molho bolonhesa é fito com tomates frescos e carne de boa procedência. Já o branco entra de leve para regar a fatia de presunto. "Ainda hoje tem clientes que conheceram a Dona Amália que vem aqui, trazem seus filhos e netos", reforça Gilberto Zanchin, gerente. Atualmente, o restaurante é propriedade de dois irmãos portugueses.

Jovens clássicos

Mas engana-se quem acha que só pratos de casas antigas têm essa capacidade. No Piselli, o prato da casa na verdade é um ingrediente, a ervilha. "Onde tem ela, estou atrás", diz com sorisso largo o restauranteur Juscelino Pereira. A ligação de Pereira com a leguminosa é uma história de cinema, e já até rendeu livro.

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Verdejantes ervilhas no risotto alla piselli

Ainda em Joanópolis, no interior paulista, e então com 16 anos o jovem Juscelino decidiu entrar para o mundo da agricultura e descobriu que ninguém plantava ervilha na região. Foi até Bragança, comprou sementes e fez tudo certinho até chegar o tempo da colheita. "Enchi a caçamba da caminhonete e fui ao Ceasa, com a cabeça já cheia de planos. Chegando lá, um feirante japonês jogou um balde de água fria e disse que todas estavam podres, pois, na verdade, havia plantado ervilhas tortas, que precisavam ser colhidas um mês antes", relembra.

A decepção com a vida no campo fez Juscelino vir para São Paulo, onde iniciou sua ligação com a gastronomia. De um pequeno bar de bairro chegou à chefia do Gero. "Mas aos 30 anos, lembrei de uma frase do meu avô, que falava da importância de se chegar aos 35 já estabilizado. Isso me deu uma aflição que me impulsionou a arriscar e abrir o meu próprio restaurante". No aniversário de 35 anos, estava lá Juscelino inaugurando o Pisselli no coração dos Jardins. E isso faz apenas cinco anos.

E o leitor pergunta: onde estão as ervilhas? Em tudo, do nome (ervilhas em italiano), no snack, temperadinhas com wasabi, na pasta do couvert (feita com queijo de cabra, manjericão, salsão, salsinha e azeite), no risotto alla piselli (com gorgonzola e lascas de parmesão ralado na hora), na pasta in piselli (um fetuchinne com pancetta e mascarpone). Até o guarda pó, utilizado para limpar as migalhinhas da mesa, ganhou o nome de piselinho.

Por isso, ao encontrar esses mesmos pratos no seu restaurante preferido, não deixe de contar ao cozinheiro a origem deles e de passar nessas casas históricas quando estiver no Rio ou em São Paulo. É a melhor forma de dar tempero à história e aumentar assim a papel da gastronomia brasileira.

Atualizado em 7 Ago 2012.