Guia da Semana

Fotos: Marcelo Katuski


O evento Japão à Brasileira aconteceu de 15 a 22 de abril no Mercado Municipal de São Paulo e foi palco de muitas apresentações e palestras sobre a cultura japonesa e sua influência na gastronomia brasileira. Na aula do antropólogo japonês Naomichi Ishige, pude conhecer um pouco sobre a alimentação japonesa tradicional além da história de uma bebida que aprecio muito, o saquê.

O saquê é um dos três alimentos mais adorados pelos japoneses (os outros dois são o chá e o moti, um bolinho de arroz) e sua história começa no período Yayoi no Japão (300 a.C. a 300 d.C.). Naquele tempo, o arroz era fermentado pela saliva feminina, sendo cuspida pelas jovens virgens em tachos, e a bebida ainda não se chamava saquê, mas Ki.

No início, a bebida era reservada aos nobres e às classes altas da sociedade, pois sua produção era escassa. Há um provérbio xintoísta que diz que os deuses adoram beber saquê. E nas festividades, era comum beber até quase cair, já que se acreditava que o espírito elevado pela bebida podia entrar em contato com os deuses. Bom motivo pra um porre, hehe! A "festa" durou até o século VI, quando a disseminação do Budismo pelo país proibiu o saquê nas festividades e os monges passaram a tomar apenas chá.

Dessa forma, criou-se uma relação da bebida bem interessante:
Saquê > Salgado >Xintoísmo >Não coticiano >Masculino
Chá >Doce >Budismo >Cotidiano >Feminino.

Ou seja, quem come doce geralmente não toma saquê. O que talvez explique porque os grandes experts da bebida não gostem de doces. Outra curiosidade que aprendi é que quando comemos sushi não devemos tomar saquê e sim chá, pois os dois alimentos são provenientes do arroz, o que cria uma relação de oposição. O saquê só deve ser apreciado com sashimi (peixe cru), e lá se vão anos comendo sushi com saquê, né?

Há três importantes regras de etiqueta para o consumo de saquê em restaurantes japoneses:
? É de bom tom uma pessoa servir a outra, antes de colocar a bebida no próprio copo.
? O saquê servido em cálices de cerâmica deve ser segurado pela mão direita e apoiado na mão esquerda.
? Não se deve inclinar para beber o saquê: a bebida deve ser sempre levada à boca.

No Japão, não é considerado falta de educação ficar bêbado em bares de petiscos, os izakayas, locais onde os trabalhadores se reúnem para beber após o expediente. Já nos restaurantes tradicionais, a embriaguez deve ser evitada.

Minha primeira bebedeira com saquê foi no lugar mais inusitado possível: no Epcot Center. No pavilhão japonês do World Showcase me deliciei com meus primeiros sushis de camarão empanado (uma novidade na época) e um drinque chamado Samurai que descia tão bem que quando me dei conta, já havia tomado boa parte do meu orçamento do dia com a bebida. Percorri o resto do trajeto levinho, levinho, até chegar a Paris com sua torre Eiffel em miniatura, onde rebati a ressaca com um bom vinho francês. Uh-la-lá...

De volta ao Brasil, não consegui a receita original, mas acabei achando um drinque bem parecido que foi a sensação em uma festinha lá em casa. O nome? Tokyo Cosmo, puro estilo!

Tokyo Cosmo
Ingredientes:

1 dose de saquê
1/2 dose de vodca
1 dose de suco de abacaxi
Gelo

Modo de fazer:
Agite tudo em uma coqueteleira e sirva em uma taça de martini com um twist de limão.

Sucesso "galantido"!


E para finalizar, um mini glossário para ajudar a entender um pouco mais sobre a bebida, garimpado no site da Adega de Sakê:

? Atsukan: Saquê bem quente.
? Hiya: Saquê gelado.
? Choco: Copo de cerâmica para se tomar saquê quente.
? Koori: Gelo.
? Mizuwari: WARI significa dividir, MIZU é água. No caso das bebidas, divide-se o copo com saquê e outro líquido. MIZU WARI é misturar água com saquê destilado, já que com o saquê fermentado não se costuma diluir.
? Oyuwari: Misturar água quente com saquê destilado.
? Rokku: Do inglês, "ON THE ROCK".
? Sakaya: Loja especializada em vendas de saquês.
? Shaku: Servir a bebida.
? Tsumami: Petisco. Também é chamado "saquê no sakana", que são os aperitivos que acompanham o saquê.
? Yoi, You ou Yopparau: embriaguez ou embriagado. Em outras circunstâncias, também se refere a estar enjoado.
? Futsuka Yoi: Ressaca.



Leia as colunas anteriores do Katsuki:
? Dieta de engorda: quase um repórter gonzo, nosso colunista provou a comida que mantém o corpanzil dos lutadores de sumô.

? Dim Sum, ´para tocar seu coração´: pelas ruas de Chinatown e atrás de um pilão de pedra, Katsuki acabou encontrando essas desconhecidas delícias chinesas.



Quem é o colunista: Marcelo Katsuki, o terror do self-service.
O que faz: come demais. Editor de arte e fotografia da Folha Online nos dias úteis.
Pecado gastronômico: chocolate e uísque.
Melhor lugar de São Paulo: As poltronas da ponta do bar do Terraço Itália num fim de tarde ensolarado. Com um bom uísque na mão, claro.

Fale com ele: [email protected] ou acesse o blog Comes & Bebes.

* Coluna originalmente publicada em maio de 2007

Atualizado em 7 Ago 2012.