Guia da Semana

Seguindo passos opostos aos que lhe eram designados, Sérgio Arno, filho da tradicional família fundadora da empresa ARNO, preferiu conquistar o sucesso por si próprio. Deixou de lado os negócios do pai e viajou para a Itália aos 26 anos, onde despertou seus dotes culinários

Hoje, renomado no universo gastronômico, já conquistou o título de Melhor Chef da América Latina (em 2002) e está entre os cinco melhores do mundo no quesito culinária italiana. Com personalidade forte e opiniões bem formadas, o também empresário conquistou uma rede de sete restaurantes, é autor de diversos livros de receitas e, em breve, deverá comandar um programa de TV com uma disputa de chefes.

Entre ravióllis e lasanhas, conversamos com o polêmico restauratiè, que não abandona as panelas mesmo em casa, sobre a fase que vive a gastronomia atual no país, a nova safra de cozinheiros e a qualidade dos realitys shows de cozinha. Confira!

"Eu nunca vou abandonar a cozinha. Essa é realmente minha paixão.

Guia da Semana: Muitos chefes têm em você uma referência. De onde tira inspiração para compor receitas novas?
Sérgio Arno: Depende muito. Não existe uma hora exata. Acontece o dia inteiro. Eu penso em coisas que posso criar, aprimorar, pratos que eu posso misturar. Eu sou muito acostumado a cozinhar, então vão surgindo coisas na minha cabeça e eu faço. Não gosto de ficar seguindo padrões, vou lá e faço. Acaba sendo automático e virou rotina.

Hoje, um restaurante assinado por Sérgio Arno ao abrir já é renomado, qual é o truque para manter esse sucesso?
Trabalhar sempre. Não tem segredo. Não deixar que sua profissão caia em uma rotina. Fazer o que gosta e fazer bem feito. Com bom humor e vontade. Eu não assino cardápio para ninguém, cada um precisa ir atrás e trabalhar.

Quando você percebeu que tinha dom para cozinhar?
Sérgio: Desde adolescente, nem me lembro ao certo. Eu sempre gostei muito de cozinhar e ter esse contato com a cozinha, então sempre soube que meu destino seria esse.

O que é ser um chefe de sucesso para você?
Você só consegue ser um chefe de sucesso se fizer as coisas não só pensando no dinheiro que você vai ganhar. Então, tem que trabalhar muito, pois é uma profissão que exige bastante. Na minha época, as pessoas se formavam ou não e iam para a cozinha ralar 12 horas por dia.

Hoje em dia, o cara sai da faculdade pensando que já sabe tudo. Para ser um chefe não existe um curso, apenas culinária. Você se torna chefe com o tempo, leva-se anos para isso.

"Quando você é aplicado e gosta do que faz geralmente dá certo."

Hoje em dia você se considera mais chefe ou mais empresário?
Eu nunca vou abandonar a cozinha. Essa é realmente minha paixão. Ser empresário é um acaso da natureza. Eu tenho que manter por conta dos restaurantes, da parte burocrática. Mas gosto mesmo é de cozinhar.

Você ainda cozinha em casa?
Claro! Durante a semana eu cozinho em casa. É uma coisa natural, do dia-a-dia mesmo, nada de obrigação, faço por prazer. Normalmente, para a família. Gosto também de reunir os amigos e fazer um almoço, jantar.

Quando conseguiu seu primeiro emprego como ajudante na Itália, pensava que ganharia tanto reconhecimento quanto tem hoje?
Quando você é aplicado e gosta do que faz geralmente dá certo. Não pensava. Isso aconteceu de repente. Nada foi planejado. É bom ser conhecido, ser famoso, mas cozinhar é um dom.

A pessoa pode aprender métodos e técnicas, mas se não tiver o dom, não consegue chegar a lugar nenhum. Isso já nasce com a pessoa.

Você sendo filho de uma família tradicional tinha tudo para seguir a carreira de um mega empresário, mas preferiu trilhar seu próprio caminho. Como foi isso para você?
Sérgio: Foi muito natural. Eu nunca tive vontade de ir trabalhar na Arno, e o fato de eu ter uma família tradicional não me fez seguir uma profissão exata. Cada um segue o caminho que escolhe. Com certeza, se fosse para eu estar na Arno, eu estaria lá, mas acho que realmente não era pra ser.

O La Vecchia Cucina é um dos restaurantes da rede de Sergio Arno

Acredita que a gastronomia no Brasil vem crescendo?
Muito. Mas acho que de uma forma meio desordenada. As coisas no Brasil são muito confusas, cheias de altos e baixos. Existe uma safra de novos chefes muito boa, mas muito novos. Acho que ainda faltam cozinheiros bons, responsáveis e trabalhadores.

Nos meus restaurantes, por exemplo, não tenho nenhum chefe recém-formado. Eu opto por pessoas com prática, dinâmicas, coisa que é difícil encontrar. Hoje, algumas pessoas querem aparecer muito mais do que trabalhar. Querem ganhar a mais, não fazer hora extra, e não é bem assim. Falta um pouco humildade para algumas pessoas que estão começando agora.

A cada dia aumenta mais a abertura de restaurantes, até que ponto isso é válido?
Eles abrem, mas não conseguem se manter. È o que tem acontecido nos últimos anos, abrem e logo fecham as portas. Se o cara abrir um restaurante e não trabalhar muito, com esforço e dedicação, vai fechar. Não são todas as pessoas que podem gastar R$ 60,00, R$ 70,00 em um jantar. Estamos em um país ainda pobre, com poder aquisitivo baixo, isso dificulta também.

Acha que, de certa forma, você contribuiu para o boom da gastronomia em SP?
Isso eu tenho certeza absolutíssima. Eu acho que existe um antes de Sérgio Arno e um depois, aqui em São Paulo. Eu consegui trazer para a cidade uma opção variada de pratos, com qualidade e um preço bom e com certeza eu acho que eu vou ser lembrado um dia, quem sabe, tomara.

Qual é a parte mais difícil de ser um chefe aqui no Brasil?
È trabalhar muito, às vezes alguns não aguentam. Lidar com fornecedores, administração. E a questão do baixo poder aquisitivo também prejudica. As pessoas não saem para comer, e sim para aparecer.

Sair para um jantar é um programa social, e não gastronômico. As pessoas não têm aqui no Brasil a cultura da Europa de apreciar um prato. Saem de casa para aparecer mesmo, se comer bem ou mal, tanto faz.

O que não pode faltar em um prato de Sérgio Arno?
Não pode faltar amor nem carinho. Tudo que eu faço é com base nisso. Tanto que quando estou de mau humor eu não cozinho. Sempre de bom humor para não passar energias negativas tanto para a comida, quanto para quem vai comer o que eu cozinhei.

Entrevista publicada em julho de 2009.

Atualizado em 7 Ago 2012.