Guia da Semana


Finalmente chegou o friozinho! É hora de tirar o casaco do armário e, ao cair da noite, escolher um bistrozinho romântico e aconchegante para um jantar a dois ou com seus melhores amigos. Para esquentar, que tal pedir aquele tradicional prato suíço, uma cremosa fondue de queijo, o sinônimo de inverno no mundo? Dito e feito.

Chegam à mesa os nacos de pão, o réchaud, as batatas, os picles e, para coroar, die Krönung, a panela fumegante de queijo derretido. Começa então o tradicional ritual de espetar um naco de pão no garfo e mergulhar na fondue. Uma secular celebração comunitária da amizade, da convivência e da alegria. Como secular? Por que tradicional? O que há de tão especial neste ritual?

Pois então: a fondue de queijo tem sua origem na Idade Média, quando alguns fazendeiros suíços, então exímios produtores de laticínios, pela primeira vez criaram o que mais tarde viria a ser o prato nacional suíço.

Certa vez, isolados por uma nevasca terrível, impedidos de vender sua produção de queijos, os produtores da região de Jura tiveram a brilhante idéia de aproveitar o excesso de queijo e os restos de pão. Derreteram o queijo num enorme caldeirão, acrescentaram o kirsch, um delicioso destilado de cereja, e, junto aos familiares e moradores do vilarejo, espetaram nacos de pão para mergulhá-los neste delicioso creme. Nasceu assim, quase que por necessidade, a hoje tão famosa Fondue de fromage.

Embora de origem suíça, a receita foi escrita pela primeira vez por um cozinheiro francês por volta de 1794. Além de cada região utilizar a grande variedade dos próprios queijos, o modo de preparação e a textura se desenvolveram ao longo dos séculos, incluindo na receita vinho branco e maisena. Na década de 1950, a fondue de queijo entrou nas cozinhas do exército suíço, tornando-se assim conhecida dos soldados, que levaram esta receita para suas casas. Até hoje, a preparação da fondue é considerada como uma "coisa de homem" na Suíça. Desde os anos 60, existem no mercado misturas já prontas para serem aquecidas e, com a exportação em grande escala para o mundo todo, a fondue conquistou seu lugar na gastronomia de "entretenimento" (como por exemplo os restaurantes temáticos) pelo fato de ser de fácil preparo, envolver atividade comunitária, agradar paladares mais variados e ter este forte fator de confraternização.

Começaram a ser desenvolvidas receitas regionais, como a fondue cheddar (queijo cheddar e cerveja) ou a fondue de queijo gorgonzola. Há ainda versões de fondue de carne, peixe, frutos do mar e legumes; estas, porém, preparadas em óleo (fondue bourgouignonne) ou caldo (fondue chinoise). Foi em Nova York que o chef de cozinha Conrad Egli incluiu pela primeira vez num cardápio de um restaurante a fondue de chocolate, servida com frutas da estação cortadas em cubinhos.

A receita tradicional da fondue (isso mesmo, "a" fondue porque vem da palavra francesa fondre, ou derreter, "a derretida") porém se baseia nos dois queijos gruyère e vacherin, com a adição de vinho branco, maisena para dar liga, uma dose de kirsch, pimenta do reino preta moída na hora e alho esfregado no caldeirão para dar gosto. O queijo é derretido num caldeirão de cerâmica ou ferro fundido em fogo baixo, mexendo continuamente de modo circular, formando um oito no fundo da panela com uma uma colher de pau (a vigilância sanitária que me desculpe, mas a tradição pede...) até ferver. Tudo isso para garantir aquela cremosidade gostosa! Transfere-se então a panela para a mesa, mantendo-a aquecida com a ajuda do réchaud. O pão branco amanhecido (quando fresco o pão não segura tão bem no garfo) é espetado num garfo especial e mergulhado no queijo. É importante nunca deixar de mexer para evitar que a mistura endureça!

Originalmente, a fondue só vinha acompanhada de um cálice de kirsch, onde era embebido o pão antes de ser mergulhado no queijo. Hoje é comum servir picles, que graças à sua acidez contrasta bem com a oleosidade do queijo, batatas cozidas, bresaola e maçã. O melhor vinho para harmonizar com o queijo é um branco seco, de preferência um Fendant suíço, ou simplesmente chá preto. Prega a tradição que "pague as despesas aquele que derrubar seu pão dentro da panela!". Talvez seja por isso que jantares de fondue são geralmente regados a vinho... ou que alguém da mesa levante para cantar... No desenho "Asterix entre os Helvéticos", quem perdia o naco de pão era impiedosamente chicoteado e atirado às águas do lago de Genebra!

No entanto, outra lenda diz ser direito exclusivo de que quem preparou a fondue poder raspar no final o fundo da panela, onde se forma aquela deliciosa crosta crocante de queijo...

Não há dúvida, cada vez mais brasileiros se derretem diante de uma fumegante fondue. Bon appetit!

Quem é o colunista: Sandro Sarbach.

O que faz: Restaurateur, chef e proprietário do Piccolo Bistrot.

Pecado gastronômico: Comer um X-tudo depois de ter cozinhado dezenas de "foie gras" e "lagosta na manteiga".

Melhor lugar do Brasil: Búzios pela beleza da natureza e o charme da Rua das Pedras.

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Atualizado em 7 Ago 2012.