Guia da Semana

Prato divino, preço astronômico?
Foto: Bouillabaisse, La Casserole (SP)


Na coluna passada, falei do tal brandy de 1 milhão de dólares. Não sei se algum dos leitores se aventurou a comprar a garrafa. Caso tenha realizado tamanha proeza, espero que não se arrependa. Cheguei a receber emails de pessoas que diziam ser avessas a bebidas alcoólicas, mas que não poderiam desprezar algo tão especial.

Agora, vamos tratar dos pratos. Afinal, o que leva alguém a pagar tão caro para comer algo? Sei que estamos falando de prazeres. O comer e o beber, muitas vezes, são encarados como tal. E, para determinadas pessoas, o prazer não tem preço. Mas existe forma de aferir se o valor cobrado por um prato é condizente com a realidade?

Em primeiro lugar, a realidade de uns é bem diferente da de outros. Principalmente num país como o nosso, tão cheio de contrastes e disparidades. Pense num lugar imaginário, onde exista fartura e ociosidade. Vamos chamar esse lugar hipotético de... Brasília, por exemplo. Supostamente falando, creio que a abundância monetária encontrada lá seria uma bela atração para todo tipo de negócio.

Glamour na conta
Foto: Terraço Itália
Qualquer restaurante top de linha que resolva abrir suas portas num local como a Asa Norte da Capital Federal deve se sentir num verdadeiro oásis. Lá está a nata dos políticos brasileiros. Enquanto eles galgam altos escalões do governo, acostumam o paladar a lautos banquetes, onde apreciam do bom e do melhor. A população, em contrapartida, continua com seu menu habitual, engolindo sapos. Mas aqui falamos de gastronomia. Portanto, nada de política. Mesmo porque não quero estragar o apetite de ninguém. Voltando ao nosso prazeroso assunto, andei pesquisando alguns preços de boas casas de São Paulo. Tomei o cuidado para levantar os custos cobrados por restaurantes de renome e de reconhecida qualidade.

Como todos sabem, essa fervilhante metrópole oferece um sem-número de bares e restaurantes, acessíveis a todos os gostos e aos diferentes bolsos. Você pode encarar um bem servido rodízio de carnes - todas de primeira - por cerca de R$ 70,00 por pessoa. E ainda terá à sua disposição um bufê de saladas, frios e frutos do mar digno de rei. Se a preferência recair por uma feijoada, um dos mais requintados restaurantes da cidade oferece um bufê completo, com direito a acompanhamentos e carnes variadas, por R$ 80,00.

Se estiver de dieta, ou nenhuma das opções acima fizer sua cabeça, você pode optar por uma entradinha básica, só para acompanhar seus companheiros de mesa. Um tradicional e famoso restaurante paulistano tem uma sugestão saborosa: um delicioso pão embebido em molho de tomate, acompanhado de camarões. Abriu o apetite? Então abra a carteira: sai por R$ 60,00.

Os exemplos citados são opções bem distintas, mas com preços semelhantes. O fato é que para um restaurante estabelecer o valor de seus pratos, inúmeros fatores devem ser levados em consideração. E, geralmente, os ingredientes não vão fazer diferença significativa no preço final. A não ser que você opte por extravagâncias como caviar do Azerbaijão ou trufas brancas de Alba. Aí, meu caro, prepare o bolso. Porque a conta vai ser de doer.

Um amigo tem uma divertida história. Ele tem seu dinheirinho contado no final do mês e o único capricho que comete é comprar água mineral para o cachorro. Vá lá, não dá para chamar de desperdício. Ocorre que, durante algum tempo, sempre que ia almoçar com os bacanas que trabalhavam com ele, algum infeliz escolhia um restaurante mais caro.

Casa nova, preço idem
Foto: Trindade (SP)
Metido a esperto, ele sempre pedia o prato mais barato, enquanto os outros optavam por sugestões caras e sobremesas de todo tipo. Na hora da conta, a tranqüilidade virava desespero quando um dos abonados amigos sugeria dividirem o total entre todos. Um belo dia ele resolveu acabar com essa dureza. Quando o convidaram para outro almoço, lá foi ele para o badalado restaurante. Chegou e não teve dúvidas: pediu o prato mais caro da casa. Na hora da conta, ninguém sugeriu divisão alguma. Cada um arcou com sua parte. E creio que meu amigo esteja pagando a dele até agora.

Em geral, os grandes restaurantes primam por ingredientes requintados, um serviço exemplar, louças e talheres especiais, uma brigada bem treinada e um competente chef no comando de tudo. Mas cobram por isso. E cobram bem. Nessas casas, é fácil uma refeição chegar aos R$ 500,00 por casal. E, se alguém se exceder na bebida, a conta será ainda mais salgada.

Apesar dos pesares, os valores cobrados aqui no Brasil ainda estão bem distantes dos praticados em casas de renome lá fora. Um dos mestres da cozinha contemporânea, o chef Alain Ducasse, já abriu restaurantes nos quatro cantos do mundo. E dois deles têm três estrelas no mais referenciado guia de restaurantes da Europa, o Michelin.

Para o leitor ter uma idéia do que significa experimentar a cozinha elaborada por Ducasse, o preço cobrado por algumas de suas casas beira os 500 dólares para duas pessoas. E, se você não fizer reserva antecipadamente, pode tirar o cavalinho da chuva. Os lugares são poucos e a concorrência é enorme. Portanto, terá de conhecer a cozinha de monsier Ducasse na próxima viagem. Ou em livros, pois ele já publicou vários.

Estabelecer um limite para algo tão prazeroso pode ser delicado e, às vezes, perigoso. Delicado porque lidamos com coisas imponderáveis, ingredientes variados e uma alquimia de sabores, texturas e cores. E os resultados podem ser tão surpreendentes quanto decepcionantes. E perigoso porque, se você resolver enfiar o pé na jaca e pedir do bom e do melhor na sua próxima refeição, se assegure de que pode pagar. Ou ficará como meu amigo, com uma bela indigestão na hora da conta.

Leia as colunas anteriores do Marco:
? Vale quanto pesa (I): até quanto você paga por uma bebida ou um jantar dos deuses?
? Garçons, manobristas e situações inusitadas: as gafes de garçons e manobristas, às vezes, fazem valer a noite
? Questão de bom senso: por que é tão difícil ser justo quando se trata de comida?
? É neste que eu vou?: reconhecer se o toalete é feminino ou masculino já foi uma tarefa bem menos complicada.



Quem é o colunista: Marco Esteves, sempre o personagem de alguma crônica gourmet.
O que faz: é jornalista e redator publicitário.
Pecado gastronômico: quem nunca cometeu nenhum, que atire a primeira jaca.
Melhor lugar do Brasil: depois que visitar todos, eu decido.

Fale com ele: [email protected].



Atualizado em 7 Ago 2012.