Guia da Semana

A vocalista Beth Gibbons, que se apresentou na primeira edição do Tim Festival


"Esteja alerta para a regra dos 3. O que você dá retornará para você. Essa lição você tem que aprender. Você só ganha o que você merece". A narração sampleada em português brasileiro, com cara de conselho de auto-ajuda, marca os primeiros quinze segundos de Third, o novo álbum do trio britânico Portishead, com lançamento oficial previsto para o final de abril. À galope, logo em seguida, se inicia uma pancada soturna de baixo, bateria, guitarra e poucos efeitos que permeiam os próximos dois minutos da faixa Silence, até os primeiros suspiros de Beth Gibbons.

Poucos discos renderam aberturas tão marcantes nos últimos tempos. Não seria surpresa se Silence abrisse também os shows da nova turnê do Portishead, que começa ainda este mês em Portugal, ainda sem passagem confirmada pela América Latina. Elegante e refinada, a sonoridade de Third tem ares minimalistas, pouquíssima orquestração, e traz à tona um maior uso de efeitos especiais para os instrumentos base, além de ruídos e chiados milimetricamente posicionados em canções como Plastic e We Carry On, e incursões eletrônicas.

Se por um lado Dummy [1994] atiçou os instintos mais lascivos de todos os seres privilegiados pela então "novidade" do trip-hop, em faixas como Glory Box e Numb; o sucessor Portishead [1997] trouxe à tona um obscuro clima de paixão de castelo mal-assombrado em canções como a hipnótica All Mine. Mas a consagração da banda talvez tenha chegado mesmo é com Roseland NYC Live, gravado ao vivo em 1998. Os anos seguintes foram marcados pela carreira solo de Beth Gibbons, que chegou a se apresentar na primeira (e luxuosa) versão do Tim Festival, em 2003.



Third, por outro lado, parece feito para se ouvir chorando ao volante, numa noite chuvosa, em qualquer capital cinzenta do planeta. A começar por Hunter, segunda faixa do disco, pronta para inspirar os filmes mais delicados das próximas décadas. Para cada sussurro de Gibbons, outra estacada no peito, outros objetos pontiagudos, outros pontos fixos abstratos a mirar e novos pequenos fragmentos de beleza em qualquer espécie. Ocorre o mesmo em canções como The Rip, Nylon Smile e Threads".

Traços surrealistas e psicodélicos permeiam os quase sete minutos de Small. Em Machine Gun há um certo quê de Laranja Mecânica, mas com um trabalho pouco exagerado de timbres eletrônicos e variações de teclado no final da canção. Nada que comprometa o conjunto de um álbum precioso e autoral em tempos de tantas e óbvias modernices banais. Mesmo com um resultado mais introspectivo e faixas menos grooveadas, é no mínimo um privilégio escutar a cada sussurro de Gibbons, tão denso e puro como a paúra num pesadelo qualquer.


Quem é o colunista: Renata D´Elia
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Atualizado em 1 Dez 2011.