Guia da Semana

Foto: Diego Dacax

Walter Franco e Diogo Franco

Quem puxa aos seus não degenera. Para uma leva de jovens músicos paulistanos, o verso-título do cantor Walter Franco é um chamado a abraçar o caminho trilhado por seus pais - cantores e instrumentistas que entraram para a história da música popular brasileira e, em particular, da música produzida de São Paulo para o mundo.

Eles são Diogo, Mariana, Gustavo, Tulipa e Danilo. Some ainda Anelis, Iara, Dani e Jonas. Se essa juntada de nomes não te diz nada, talvez os sobrenomes e as filiações mostrem a importância desse grupo - distinto e diverso - de artistas que estão produzindo música de qualidade e dialogando com seu próprio tempo sem esquecer o passado.

O mais novo chama-se Diogo Franco, cantor, guitarrista e promessa na cítara indiana. Quem vê o jovem de 26 anos pode até não se dar conta, mas basta ouvi-lo cantar para lembrar do rock possante feito por seu pai Walter Franco, dono do verso citado.

Hoje com 64 anos, o cantor - que quase pôs a baixo as arquibancadas do Maracanazinho quando tocou Cabeça no Festival Internacional da Canção em 1972 - vê a cria começar a carreira solo. "É um grande desafio chamar o filho ao palco. Quer a gente queira, quer não, se o trabalho dele não estiver maduro, é quase como colocá-lo diante do mundo para um julgamento", comenta o pai-coruja.

Mas Diogo, como todos os outros, trilha seu caminho a passos fortes. "Desde 2005 tenho acompanhado meu pai nos shows, mas acho que é o momento de separar a minha carreira da dele", explica o jovem Franco.

O primeiro show solo foi em 27 de outubro último, no auditório do Sesc Pinheiros. Apresentou composições autorais, como Alegria das Células, Dentro da Cabeça e canções imortalizadas pelo pai, como Vela Aberta e Coração Tranquilo. "Sempre vai ter comparação, até entendo. No entanto, busco a minha identidade e sempre achei marcante a individualidade dele". No momento, está na fase inicial de preparação do álbum de lançamento, em 2010, com a chancela de Fernando Faro, o homem que descobriu Elis Regina e tantas outras estrelas.

Ninho libertário

Acervo Pessoal/Divulgação
Montagem: Fernando Kasuo

Mariana aos 8 anos com o pai Mario Manga e hoje, aos 28, lançando o 2º álbum

Alguns anos depois da estreia de Walter Franco, um grupo de jovens, a maioria alunos da USP, se reunia no teatro Lira Paulistana para criar sons e canções ao mesmo tempo individuais e coletivas, juntando irreverência, linguagem cênica e grande complexidade de arranjos e melodias.

Passados 30 anos, os grupos Premeditando o Breque, Isca de Polícia, Rumo e o cantor Arrigo Barnabé fazem uma série de shows no Sesc Consolação até dezembro, além de uma apresentação coletiva e gratuita na Praça Benedito Calixto no dia 6 de dezembro. Já as crias assumem os riscos de encarar a música e voar por conta própria.

Uma delas é Mariana Aydar, uma das mais elogiadas carreiras dentro da atual profusão de cantoras brasileiras. A bagagem veio do berço. "Me sinto privilegiada por ter crescido nesse meio libertário, cercada de pessoas que estavam propondo novas visões artísticas e expressões musicais diversas", fala a filha de Mario Manga, baixista do Premeditando o Breque, o famoso Premê.

A cantora, em turnê pelo Brasil para divulgar seu segundo álbum Peixes, pássaros e pessoas, subia nos palcos na hora do bis e fazia parte do coro nos discos do grupo. Ainda criança, não percebia o papel que seu pai, junto com Wandi Doratiotto, Klaus Petersen e Marcelo Galbetti, desempenhou na cena musical do início dos anos 1980. "Era pequena e curtia mais a parte musical, o que foi ótimo, pois assimilei essa essência da forma mais pura, percebendo que não existe barreiras na arte e na música".

Caldo tão importante que a cantora cita Doratiotto como um dos responsáveis por ter despertado nela o gosto para o gênero no qual mais arrasta elogios. "Meu pai tem uma pegada mais roqueira e o samba, predominante na minha música, ganhei com o Premê por influência do Wandi", comenta a artista.

Acervo Pessoal

Danilo Moraes, Wandi Doratiotto, Mariana Aydar e Mario Manga

Além de influenciar a cantora, Doratiotto, conhecido também por seus trabalhos em campanhas de publicidade e nas TVs Cultura e Globo, é pai de Danilo Moraes. "Fui praticamente criado junto com a Mariana e acompanhar a carreira do Premê foi muito bom, incluindo todas as dificuldades por que passam as famílias de músicos. Eles trouxeram referências bacanas por provocar risada nas plateias, usando todos os artifícios e sem deixar a música em segundo plano".

Quando saem do ninho, as crias evitam ao máximo as pegadas dos pais. Danilo fugia justamente da veia humorística que marcou a carreira do Premê quando se decidiu pela música, aos 15 anos. Como num jogo de espelhos, a entrada na vida adulta provoca uma revisão nessa posição. "Hoje estou me aproximando desse universo lúdico, trazendo fatos do dia a dia para minha música", comenta o músico, vocal e guitarra da banda Danilo Moraes e os Criados Mudos, que faz um som com uma pegada mais rock e que prepara um documentário sobre o Premê.

Irmãos à distância

Acervo Pessoal

Gustavo e Tulipa com o Papai Luiz Chagas; hoje, o músico Gustavo Ruiz

Outros dois rebentos da Lira são os irmãos Ruiz, filhos de Luiz Chagas, parceiro de Itamar Assumpção e guitarrista do Isca de Polícia. Gustavo e Tulipa foram criados em São Lourenço, Minas Gerais, longe da efervescência da paulicéia. Mas sabiam tudo que acontecia por lá. "Escutamos a vanguarda à distância. Na pré-adolescência, a gente começou pelo Rumo. Logo depois, Arrigo e Itamar", relembra Gustavo, hoje com 28 anos.

Foi a própria vida que juntou os jovens com seus 'irmãos musicais'. "Com 19 anos, vim morar em São Paulo e meu pai falava para eu procurar a Anelis (filha de Itamar Assumpção) e a Iara (filha da cantora Alzira Espíndola e do letrista Carlos Rennó, também da turma do Lira). Tive certa resistência, pois esse não é meu jeito de fazer amizade. Acabou que as conheci naturalmente e ficamos amigos".

A afinação desse encontro criou o Dona Zica, lançado em 2000. Parado no momento, o grupo é composto pelas cantoras Anelis Assumpção e Iara Rennó, Gustavo no violão e na guitarra, além de Andreia Dias, André Dedurê, Gustavo Sousa, Marcelo Monteiro e Simone Julian, todos seguindo carreiras solos ou envolvidos em projetos musicais.

Correndo nas paralelas, Tulipa Ruiz vem se destacando também como cantora com uma música cheia de referências ao universo sonoro desse berço e influências pessoais. "Moramos juntos e o meu pai é vizinho. Sou o que fica enchendo o saco para produzir as coisas no estúdio de nossa casa. Compomos juntos e é tudo muito fácil, mesmo que as vezes não renda tanto", ri Gustavo, que está em turnê com a cantora Vanessa da Mata e dedica a outra parte de seu tempo à produção do álbum de lançamento da irmã.

Movimento e diversidade

Acervo Pessoal

Premê no show de aniversário de São Paulo, em 1983

O violonista Jonas Tatit, filho de Luiz Tatit, do grupo Rumo e atual Palavra Cantada, e o cantor Dani Black, filho de Tetê Espíndola, são outros filhos da vanguarda que estão na estrada. O movimento coletivo feito por seus pais e tão presente na música brasileira (vide Tropicália, Bossa Nova, Novos Baianos, entre outros), leva a reflexões desses jovens talentos sobre a cena atual, tão fragmentada quanto o mundo contemporâneo do qual faz parte.

"Até existe muita gente nova e consistente, mas não tem aquela união de se juntar e fazer acontecer. O que existe é uma grande movimentação, não movimentos musicais. Mas isso tem de ser natural. Não é fácil juntar uma boa galera numa casa para fazer um som", destaca Mariana, lembrando que muita gente, até no meio musical, prefere as conveniências negativas trazidas pelas redes sociais como My Space e Facebook. Diogo Franco também concorda: "Falta troca de ideias na nossa geração e também um pouco mais de ousadia".

Já Gustavo Ruiz apresenta um outro lado. "Engraçado que na época do meu pai tinha o Lira, e isso facilitou o movimento deles a ficar claro. A gente também tem uma cena da nossa geração. Talvez a gente precise de um distanciamento para percebermos isso".

Independente das cronologias e gerações, os filhos da vanguarda têm grande responsabilidade e compromisso com o legado da música brasileira, tanto da passada quanto da futura. "Eles têm uma intuição muito forte, dialogando com as possibilidades dadas pelas novas tecnologias e mídias. Me vejo neles também e isso mexe com a memória da minha geração", coroa Walter Franco. Palavra de quem sabe das coisas e aposta na juventude.

Atualizado em 1 Dez 2011.