Guia da Semana

Foto: Getty Images


Uma música tem mais que mil imagens. Desde Que o Samba é Samba vem visitar os meus ouvidos. A janela me traz pessoas andando tranquilamente para atravessar a rua. Um homem está sentado no meio da cidade, lendo o jornal. Mas o dia troca de faixa para Sorriso do Gordo, instrumental de Teco Cardoso e Lea Freire. Agora, os passos são ansiosos. A fila do shopping aumentou junto com a pressa. Os carros cantam pneus. Corre que não vai dar tempo de bater o cartão. Olha lá uma mulher atravessando no vermelho. O baterista dita o ritmo da cidade.

Woody Allen é uma prova da bela relação entre som e imagem. O cineasta assina a trilha de vários filmes, vai gravando com uma câmera na mão e um clarinete imaginário na cabeça. Temos uma Nova Iorque charmosa quando, ao fundo, um jazz faz cama para as falas neuróticas das personagens. Para cada banco nos parques do Brooklyn, há um maestro regendo a paisagem. No universo de Woody Allen, dá para se tocar Nova Iorque no rádio.

Não é fácil escolher a trilha de um filme. Passei por tal experiência recentemente. Uma árvore com Tom Jobim é muito mais verde do que uma com Cazuza. Ao lado de um senhor sentado no sofá ao som do Cartola, está uma tristeza tranquila, lendo revista de fofoca. O mesmo senhor ao som de Chico Buarque é outra história. No sofá, ele se recupera da briga com a esposa, mulher descompensada. Acabou de se mandar para rua, levando um Neruda debaixo do braço.

O sol é uma nota aguda, chega a doer nos ouvidos. O mar é harmonia cadenciada, notas fáceis de se apreciarem. Aliás, o mar está cheio de pausas. A mulher que desceu do carro para brigar no cruzamento da Avenida Brasil com a Rebouças vai soando ópera pela cidade. E o padeiro com a caneta atrás da orelha, sorrindo em dia de chuva, 1 X 0 do Pixinguinha. Toda personalidade é compositora de sua própria música.

Lembro-me do grande maestro Vitché, responsável por muitas trilhas de filmes. Num estúdio em Pinheiros, ele me mostrou uma folha cheia de linhas. Uma espécie de pauta musical. Naquelas páginas amareladas, o maestro ia escrevendo as notas ditadas pela imagem no monitor. O gol do Pelé estava em mi menor, mas o pulo já mudaria de tom: sol maior.

A música não apenas muda uma imagem. Ela também carrega em si mesma milhões de frames. É a imagem do som. Ou você não vê uma moça loira de biquíni fininho andando na praia toda vez que escuta Garota de Ipanema? Não há nada mais agradável que brincar de enxergar o som.

Dá próxima vez que apertar o play do rádio, repare nas imagens. Com quem você se encontra durante os polêmicos acordes do Egberto Gismonti? Qual a cor da música do Frank Sinatra? Quantas pessoas moram na cidade onde a banda do Chico passou?

Música é mágica. A gente ouve enxergando de olhos fechados.

Quem é o colunista: Pedro Cavalcanti.

O que faz: Publicitário.

Pecado gastronômico: Qualquer prato preparado pela minha avó.

Melhor lugar do Mundo: Aqui e agora, como diria o Gil.

O que está ouvindo no carro, iPod, mp3: Ulisses Rocha, Pat Metheny, Chico Saraiva

Fale com ele: [email protected]

Atualizado em 6 Set 2011.