Guia da Semana

Fernando Anitelli e sua trupe. O show de lançamento do disco Segundo Ato aconteceu no Memorial da América Latina, no dia 21 de junho.
Foto: Vinny Campos

"Sem horas e sem dores, respeitável público pagão, com vocês O Teatro Mágico" Com estas palavras, uma voz anuncia o começo do show. O vocalista Fernando Anitelli entra no palco, com uma capa vermelha, declamando poemas para aqueles que deixaram de lado a correria do dia-a-dia e estão de peito aberto para a brincadeira que a banda proporciona quando toca ao vivo.

Juntando circo, teatro, poesia e música, o Teatro Mágico apresenta figurino novo, cenário simples, performances hilariantes e novos integrantes no lançamento do mais recente álbum O Teatro Mágico: Segundo Ato.

O líder do grupo, Fernando Anitelli, conversou com o Guia da Semana sobre o novo trabalho, que bateu o recorde de downloads com mais de 120 mil acessos em menos de três dias no site Tramavirtual, e revela o que faz do Teatro Mágico este fenômeno, com milhares de fãs espalhados pelo Orkut e Myspace.

GDS: Qual a proposta desse Segundo Ato?
Fernando Anitelli: O Teatro Mágico é uma trilogia, desde o início do projeto a idéia é fazer isso. O primeiro disco ( O Teatro Mágico - Entrada para Raros) tem uma característica um pouco mais lúdica. As músicas falam da relação do homem com o cotidiano de uma forma poética, mais lírica, com brincadeiras, tudo numa coisa só. E de repente, o Segundo Ato é uma outra idéia, nós começamos a contestar esse cotidiano, provocar aquilo que está ao nosso redor. Falamos agora um pouco sobre a relação do homem e de seu trabalho, essa coisa maquinada que se transformou o dia-a-dia do cidadão. O disco possui uma identidade forte, com arranjos mais criativos e maduros.

GDS: A primeira música do disco você declama o poema Amadurescência, que fala a respeito do "Parto". O que você quis dizer com essa introdução?
Fernando Anitelli: São várias versões. É o parto de parir uma coisa nova, o parto da pessoa se partir, se dividir e também o parto de partir, de ir embora. O CD é um filho, é uma criança e, justamente, foi um parto, toda a produção desse novo trabalho. Colocamos coisas bem oriundas do que estavam acontecendo nesses quatro anos. É mesmo um amadurecimento, por isso que esse texto se chama Amadurescência, que mostra a evolução do trabalho como um todo. Tem essa coisa do parto, estou me partindo, estou parindo algo novo e estamos nos dividindo, nos modificando.

GDS: Qual foi a idéia do Ato Cultural que vocês realizaram no dia 18 de junho pelas ruas de São Paulo, para o lançamento do CD?
Fernando Anitelli: No dia 18, nós deixamos as músicas no novo disco disponíveis para baixar de graça na internet. Nós saímos nas ruas, os personagens já de figurino e alguns fãs. A idéia foi de falarmos de música livre e distribuirmos alguns discos e vender outros ao preço de 5 reais. Fizemos isso, porque muitos imaginaram que o Teatro Mágico fosse se vender para uma gravadora e que iríamos parar com todo o discurso político, depois de um determinado renome na casa cultural. Mas a nossa preocupação é com relação ao acesso das pessoas com o nosso trabalho. É na rua, a pé, na calçada, com o figurino, levar o CD a 5 reais do mesmo jeito, mostrar para os camelôs. Brincamos com essa questão que todo mundo colocou em pauta.

GDS:Vocês já recusaram convites de quantas grandes gravadoras?
Fernando Anitelli: Recusamos propostas de todas as grandes gravadoras. Eles queriam comprar nosso projeto, com um contrato para dois anos. Eu questionei se eles venderiam nosso CD a 5 reais e a resposta foi que isso é muito complicado. Eles alegaram que o custo de venda a 40 ou 50 reais, é por causa do custo de promoção e produção do CD. Eu perguntei também se eles disponibilizariam as músicas na internet e eles também acharam complicado. Então eu disse "muito obrigado, um grande abraço e tchau".

GDS: A arte independente está cada vez mais difundida, grandes artistas optam pelo modelo e novos artistas têm um veículo que traz mais liberdade à criação. Como você vê o mercado fonográfico atual?
Fernando Anitelli: Existem várias pessoas fazendo trabalhos independentes de muita qualidade. Isso em todas as regiões do Brasil. Em São Paulo, é tanta informação, é uma panela de pressão tão grande, que as pessoas não estão enxergando que já existe o mercado paralelo independente. Hoje os artistas de gravadoras estão caindo nesse negócio do trabalho independente, porque as gravadoras não estão mais cuidando dos artistas, aliás nunca respeitaram, nunca deram a oportunidade devida a um CD para o artista. Sempre trataram mal um funcionário. Eu já estive em um grupo chamado Madalena 19, e assinamos um contrato com uma gravadora chamada Cascata Records. Nós estávamos gravando o disco e na oitava, nona música, o diretor ligou, dizendo para regravarmos tudo numa versão forró universitário e ska que iríamos fazer sucesso. Nós recusamos essa proposta e ficamos engavetados durante dois anos sem fazer nada porque a gravadora não gostou do nosso estilo. Hoje em dia, as gravadoras estão indo atrás dos shows, pra pegar a porcentagem dos artistas, porque a pirataria tomou conta.

GDS: No show vocês incentivam a divulgação da música, mesmo que seja pirateando. Como você vê a pirataria? Concorda que ela seja considerada crime?
Fernando Anitelli: Quando eu falo da pirataria, eu falo da pirataria saudável. É quando o cara compra o CD do Teatro Mágico a 5 reais e não faz a cópia pra revender. Ele faz a cópia pra ele ter acesso, poder ouvir. Eu faço sempre a pergunta: "Quem aqui nunca teve uma fita cassete?" É a mesma coisa: todo mundo já teve uma fita cassete com gravações de músicas românticas. Gravar coisas que a gente gostava numa fita e passava pra um amigo. É a mesma coisa com um CD. Você consegue baixar pela internet consegue fazer isso de uma maneira muito mais tranqüila, acessível. É essa pirataria que eu falo, se a pessoa quer fazer a cópia do trabalho pra ter acesso, pra poder ouvir ou assistir, tudo bem, não tem problema. Pra revender, eu acho sacanagem de fato, pois a pessoa está entrando num sistema que muitos estão fazendo, fazer uma cópia pra revender barato não faz sentido algum. É entrar no meio de um jogo que tem uma marca. A idéia é justamente fazer diferente, o acesso é livre para as pessoas, a música é livre.

GDS: No Brasil, ainda não há o acesso de todos à internet. Como vocês atingem este público?
Fernando Anitelli: Esse público é a coisa mais difícil. Nós levamos nosso trabalho até eles por meio de projetos junto a prefeituras, escolas, centros culturais, faculdades. Conseguimos essa grandeza na internet, porque é uma mídia livre, porque a televisão e rádio, os órgãos que vivem de anunciante, quando você quer colocar uma música sua na rádio ou na televisão, eles cobram de você o preço como se fosse de um anúncio, o que é um grande erro, porque a cultura fica atrelada às reuniões pra você pagar para poder aparecer na televisão. A cultura é uma expressão popular.

GDS: Desde o início do sucesso da banda vocês fogem dos rótulos dados pela mídia, de modelos pré-estabelecidos. Como você define o Teatro Mágico?
Fernando Anitelli: O Teatro Mágico é uma "caganeira" de idéias é um "vômito" de expressão íntima. Eu sou um safado, no bom sentido, que reuniu esse bando de gente boa fazendo arte e chamei pra trabalhar comigo. A classe dos músicos é muito desunida. Eu acho que fazer arte no Brasil é uma guerra. Fazer arte é fazer política. Temos que ser agente da nossa história, nos dedicar às coisas, ser e estar presente, manter a nossa essência, não acomodar com o que incomoda. O Brasil é um país muito mais criativo do que colocar uma mulher de camiseta, quase pelada rebolando, dançando uma música. Existem pessoas muito mais inteligentes e somos obrigados a engolir tudo, achando que isso é nossa cultura. Isso também é nossa cultura, mas existe muito mais coisa para ser criada e aproveitada.

GDS: O Teatro Mágico é uma trilogia, você já tem planos para o último CD? Quais seus projetos?
Fernando Anitelli: Eu tenho uma idéia de como vai ser o terceiro álbum, mas não tem nada definido. Tenho vários outros projetos ainda engavetados. Além do Teatro Mágico, quero fazer uma peça de teatro, voltar a fazer ilustrações. Quero gravar um CD só de músicas infantis. Algo um pouco parecido com o trabalho do Palavra Cantada. Porque a criança não é boba, a gente trata a criança como se ela não soubesse de nada, protege demais. A criança é um ser pensante, inteligente, não quer ver e ouvir esse monte de baboseira que a música infantil oferece atualmente. Eu quero trabalhar em coisas novas, não ficar para sempre fazendo o que faço. O artista tem que experimentar, criar, se reinventar. Todo mundo faz poesia o tempo inteiro.

Atualizado em 6 Set 2011.